O Ministério Público do Trabalho (MPT) em Mato Grosso do Sul ingressou com ação civil pública pedindo a expropriação da Fazenda Carandazal, em Corumbá, e o pagamento de R$ 25 milhões por um de seus proprietários.
O caso ganhou repercussão após o resgate de quatro trabalhadores submetidos a trabalho escravo flagrada em fevereiro deste ano, mas investigações apontam violações recorrentes na propriedade.
A ação, tramitando na Vara do Trabalho de Corumbá, destaca que os donos do local — Moacir Duim Júnior e Cristiane Kanda Abe — já tinham histórico de autuações por descumprir direitos trabalhistas. Em 2015, o mesmo proprietário foi multado por falta de registro em carteira e por não fornecer equipamentos de proteção individual (EPIs), práticas repetidas no resgate recente.
Na ocasião, cinco autos de infração foram emitidos, mas as multas, consideradas “irrisórias” pelo MPT, não impediram a reincidência. Desta vez, além de repetir as irregularidades, os donos ordenaram a destruição de barracos onde os funcionários eram alojados ao descobrirem a iminência de uma fiscalização.

Resgate e tentativa de ocultação
Em fevereiro de 2025, uma equipe de fiscalização surpreendeu a fazenda durante operação aérea. Os trabalhadores, encontrados em alojamentos precários — sem água potável, instalações sanitárias ou áreas para refeições —, relataram ao MPT que receberam ordens para “se esconder” e “derrubar as estruturas” assim que a inspeção foi anunciada. O capataz local e as vítimas confirmaram em depoimento que Moacir Duim Júnior forneceu pessoalmente a lona usada para montar o acampamento improvisado.
A investigação revelou ainda que motosserras foram disponibilizadas sem treinamento ou EPIs, aumentando riscos de acidentes. “Ele sabia dos perigos, mas preferiu cortar custos“, destacou o procurador Paulo Douglas Almeida de Moraes, responsável pelo caso. A falta de exames médicos periódicos, exigidos por lei, também foi apontada como negligência grave.
Exploração e Fraudes Trabalhistas
O inquérito civil do MPT identificou que o mesmo local de alojamento já abrigou outros grupos submetidos a condições degradantes. Relatos de trabalhadores anteriores e do capataz sugerem que a estratégia dos proprietários incluía terceirizar a contratação para ocultar vínculos empregatícios.
Na ação, o MPT descreve como os donos alegaram que um dos resgatados era “empregador dos demais” — tese considerada fraudulenta para evitar responsabilidades como FGTS, descanso remunerado e verbas rescisórias.

A tática, porém, não convenceu a Justiça. “Há provas robustas de que o proprietário tinha pleno controle sobre as atividades, incluindo o fornecimento direto de ferramentas e a definição de jornadas exaustivas”, afirma trecho da denúncia.
Reincidência e falta de acordos
A ação destaca que, mesmo após o resgate, os donos se recusaram a negociar. Em duas audiências para acordos extrajudiciais, enviaram representantes legais e mantiveram a alegação de “não serem empregadores“. As vítimas, que aguardam desde fevereiro por verbas rescisórias, enfrentam dificuldades financeiras. Um trabalhador relatou ao MPT: “Não tenho como sustentar minha família. Desde o resgate, vivo de doações“.
O desamparo reforçou o pedido de tutela de urgência, que exige o pagamento imediato das dívidas trabalhistas em até 10 dias. O MPT também quer a obrigação de fornecer EPIs, água potável, alojamentos dignos e treinamentos de segurança — medidas que, se implementadas em 2015, poderiam ter evitado o caso atual.
Argumentos jurídicos para a expropriação
A Constituição Federal (Art. 243) prevê a expropriação de propriedades rurais onde seja flagrado trabalho escravo, destinando-as à reforma agrária. O MPT sustenta que a Fazenda Carandazal perdeu sua função social ao violar direitos humanos básicos. “A propriedade só se justifica se respeitar a dignidade. Do contrário, deve ser convertida em instrumento de reparação”, argumenta o procurador.
Se a Justiça acatar o pedido, a área será transferida para o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Os R$ 25 milhões em indenizações, por sua vez, financiarão projetos sociais — decisão que o MPT classifica como “pedagógica” para coibir futuros crimes.