Corumbá (MS) — Investigações da Polícia Federal de Corumbá sobre engenhoso esquema de corrupção para compra de votos nas eleições municipais de 2020, mostram que Marcelo Iunes, atual prefeito da cidade, não apenas tinha ciência dos fatos, como coordenava as ações de seus operadores no esquema.
Documento a que o Folha MS teve acesso, mostra a transcrição de áudios enviados por Marcelo Iunes ao servidor Comissionado Marconi Junior, conhecido como “Macaco”, dando orientações a respeito da entrega de dinheiro, bem como ao cumprimento de promessas feitas por ele para “ajudas” a alguns eleitores.
Em uma das negociações, Marconi é orientado por Iunes a fazer a entrega do valor de R$ 150 reais, a uma eleitora que teria ido até seu gabinete, na prefeitura, para receber o “benefício”.
A mulher identificada apenas como “Senhora Alda” teria se dirigido ao Paço Municipal por determinação do próprio prefeito.
Ao ser questionado por Marconi o que deveria ser feito.
“Esqueci de passar pra você, vê se Fábio tem R$150,00 e passa pra ela aí, ou se não você fala que mais tarde você passa pra ela, aí você passa aqui em casa rapidinho […]”
Conforme relatório da PF, o pagamento de benefício em espécie seguia de forma contínua, como um “mensalinho” que deveria ser entregue mensalmente para alguns dos que se beneficiavam do esquema.
O assunto é tratado no dia 12/09/2020, em áudio enviado por Marconi ao prefeito:
“Marcelo, bom dia. Marcelo, olha só, quem me ligou ontem a noite foi ‘papi’, perguntou: vocês esqueceram de ‘lindo’ esse mês? Aí eu falei, opa, pedi desculpas, é tanta coisa aí, né, aí falou então, a gente ficou esperando você, o Hudson, aí a gente imaginou que vocês estavam na correria por causa da política, e também aconteceu isso com o Marcelo, do corona, aí eu falei: não, mas pode deixar que amanhã eu vou verificar com ele, aí eu te dou uma posição. É que amanhã eu acho que é aniversário dele, aí eles parecem que querem fazer um negocinho pra ele, tá bom, aí fico no aguardo seu”.
Os arquivos encontrados no celular do servidor comissionado foi peça chave no entendimento do esquema que segundo as investigações funcionava dentro da prefeitura a um longo tempo, com a distribuição de valores aos eleitores cooptados pelo esquema.
Em 2016, Marconi já atuava como o articulador do esquema ao relembrar o chefe do executivo, sobre o pagamento de valores que teriam sido combinado com algumas pessoas. Até mesmo festa junina, teria sido motivo para distribuição de dinheiro em prol do eleitorado de Iunes.
O relatório aponta que em pelo menos sete oportunidades, o Prefeito teria tratado diretamente com Marconi sobre a entrega de valores a pessoas beneficiadas no esquema com o fim específico de obterem votos nas eleições de 2020.
Promessas de Iunes e Benefícios
A investigação verificou também outra forma de ação dos ivestigados na empreitada criminosa: dar, oferecer e prometer dádivas a seus potenciais eleitores, como cestas básicas, passagens de ônibus, remédios e até a confecção de óculos.
As conversas mantidas entre os envolvidos demonstraram ainda a participação de outras pessoas que também estão elencadas no processo, que foi desmembrado para dar mais celeridade ao caso.
Um dos envolvidos, é o atual secretário de governo de Iunes, Luiz Antônio, conhecido como “Pardal”. Ele é declaradamente o indicado de Iunes a concorrer a sua sucessão municipal nas eleições do próximo ano.
“Marcelo, essa foto abaixo, são as que você pediu para lembrar que você ia passar hoje, tá bom, que é da Cris, do Júlio, da Márcia lá da casinha, que pediu ajuda com uma cesta básica, mas ‘Pardal‘ falou que não tem mais lá, né, (…)”
Marconi também aproveita para lembrar Iunes sobre a promessa feita por ele à uma eleitora, para compra de medicamento referente ao tratamento de uma “alergia crônica”.
“Aí quem foi hoje lá, foi (…) uma moça, Karine, que falou com você pelo whatsapp, referente a medicamento, que ela tem uma alergia crônica, e parece que ela precisava de 03 caixas desse medicamento, aí cada caixa custa R$ 40,00. Aí eu fiquei de dar um retorno pra ela hoje ainda”
Da mesma forma, no dia 14/05/2020, entre as 18:56 horas e as 18:58 horas, Marconi reencaminha a Marcelo Iunes mensagem de uma pessoa a qual identificou apenas como “Romero”, com solicitação de uma cesta básica (“sacolão”) em troca de seu voto e de terceiros tratados na mensagem como “pessoal aqui de casa”. Na ocasião, o prefeito autoriza a entrega dos benefícios ao eleitor.
Em outra ocasião, foi o próprio prefeito Marcelo Iunes que determina a Marconi, a tarefa de providenciar três passagens de ônibus. Em outubro de 2020, Iunes encaminha mensagens enviadas a uma eleitora não identificada ao seu telefone pessoal, onde o questiona sobre a promessa para confecção de um par de óculos. A mulher chega a dizer que teria passado a tarde inteira em seu comitê político, já que o ato ocorreu em plena campanha.
Outra articuladora do esquema criminoso de compra de votos, Mariluce Gonçalves Leão, atual subsecretária adjunta de saúde de Corumbá, também reforça em áudios enviados a Marconi, o envolvimento direto de Iunes. O esquema, dessa vez, consistia na utilização do aparato municipal de saúde para dar tratamento preferencial a eleitores de Iunes e alguns candidatos e vereadores da cidade, para realização de consultas e exames que eram pagos com recursos do SUS.
É Mariluce que, segundo da Polícia Federal, explica o organograma que deve ser seguido e que previamente foi combinado com o prefeito para poder “agilizar” a liberação dos pedidos encaminhados pelos vereadores, bem como as demandas levadas a ela na área da saúde.
“Marconi, todos esses exames aí têm que passar na guia do SUS, igual eu te falei, não tem como fazer nada. Essas guias quando o pessoal mandar pra você, você já avisa ‘ó, tudo para atender pelo SUS, só pela guia do SUS’ e não tem como fazer nada, nada, nada, é… assim… nós… o que que eu combinei com o Marcelo, até para atender todos os vereadores, eles têm que vir com a guia pronta, a guia do SUS, pra gente poder atender, tá? Até conversei com ele, porque está vindo muita guia da Facilmed, do Hospital de Olhos, não tem como atender. Quando a pessoa falar com você, você já orienta: ‘ó traz a guia do SUS que, pra gente atender pelo SUS, é só SUS, tá?’. É, e esses exames você lembra que eu te falei tem que ser pelo especialista, eu vou tentar ver, mas tá pra final de… tá pra setembro, pra final de setembro. Eu vou ver se a gente consegue agendar alguma consulta, mas todo mundo que pedir pra você, você já orienta, tá?”
A investigação deixou evidente que a ré atuava sempre que a corrupção eleitoral envolvia vantagens relacionadas à área da saúde. Outro flagrante que deixa clara sua posição no esquema e o envolvimento direto de Marcelo Iunes, se dá quando ela cobra Marconi a buscar do prefeito, resposta a uma promessa, feita por ele, a uma mulher não identificada, que teria arcado com os custos de remoção em uma ambulância particular para sua mãe.
Segundo ela, a promessa era de que Iunes daria uma “ajuda” de R$ 500 reais. Ciente das atitudes ilícitas que praticava, Mariluce ainda orienta Marconi a apagar a mensagem logo em seguida.
Marconi também intermedia diretamente com o prefeito, a realização de exames laboratoriais identificado como “Rogério”. Após explicar o caso, Marconi recebe autorização para liberação feita pelo próprio prefeito.
“Oi Marcelo, Rogerio, filho de dona Percilia, que me ligou agora, falou que a sua mãe esta 12 dias internada, né, que cada hora parece um negócio nela, e falou que parece que o médico não quer dar alta dela, porque parece que as plaquetas dela estão baixa, e aí solicitou pra ele fazer um exame fora do hospital né, para ele pode conferir com o que faz la parece, aí ele queria ver se tinha como alguém lá do Laboratório coletar e ele fazer por lá esses exames aí, aí eu falei que ia dar uma verificada e ia dar uma resposta pra ele, se tem como, acho que o Dinaldo ir lá coletar pra fazer exame dela.”
Para PF, o esquema de corrupção eleitoral, como exposto, usurpava largamente os recursos e aparatos da Administração Pública municipal em benefício de interesses pessoais do prefeito.
Marcelo Iunes e os servidores, Marconi Souza Junior e Mariluce Gonçalves Leão, foram denunciados pelo Ministério Público pelos crimes previstos no artigo 299 e 350.
