Um dos mais sensíveis pontos de atrito entre o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), o inquérito das fake news seguirá independentemente das pressões políticas para que seja finalizado. O relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, disse, ontem, que as investigações estão perto de revelar quem são os financiadores da produção e dos disparos em massa de notícias falsas. “Liberdade de expressão não é liberdade de agressão”, declarou Moraes, em palestra a um grupo de estudantes de uma faculdade paulista.
“A desinformação é tanta que, às vezes, a imprensa tradicional repete fake news. Hoje (ontem), saiu uma notícia que o Supremo quer arquivar o inquérito das fake news. Isso é uma fake news”, frisou. “Não vai arquivar porque nós estamos chegando aos financiadores. A investigação tem seu momento público e o momento sigiloso, que, na maioria das vezes, é mais importante, em que vai costurando as atividades ilícitas que a Polícia Federal está investigando em relação a isso.”
O inquérito das fake news foi aberto em março de 2019, por decisão do então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, para investigar notícias fraudulentas, ofensas e ameaças a ministros do STF. O processo avançou para a apuração sobre a disseminação de mentiras a respeito da segurança das urnas eletrônicas e do sistema eleitoral.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) foi incluído na ação como investigado, assim como um dos filhos dele, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), entre outros políticos. A apuração levará em conta os ataques, sem provas, feitos pelo chefe do Executivo às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral do país.
Segundo Moraes, o combate à desinformação é o maior desafio do Judiciário nas eleições deste ano. “A verdade é que (em 2018) ninguém esperava isso, ninguém estava preparado. Como disse, o maior erro é subestimar e ficar repetindo ‘só falam para as bolhas’, ‘ah, quem tem cabeça olha, sabe que a notícia é falsa’. Não é verdade, é tudo direcionado por algoritmos”, argumentou.
Para evitar uma crise institucional, um grupo de senadores passou a semana articulando uma espécie de proteção política do Supremo diante dos ataques que partem do Planalto. Entre terça e quarta-feira, Renan Calheiros (MDB-AL), Eduardo Braga (MDB-PA), Marcelo Castro (MDB-PI) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) conversaram com praticamente todos os ministros do STF, incluindo o presidente da Corte, Luiz Fux. Depois, o grupo se reuniu com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A ideia do grupo, segundo apurou o Correio, é criar uma “barreira de contenção política” para que o debate se dê no palco apropriado. “O STF não pode ficar na linha de frente desse bate-boca, o embate político se faz na arena política, que é o Congresso”, comentou uma fonte que acompanhou os senadores nesses encontros.
As últimas declarações de Pacheco defendendo a lisura do processo eleitoral foram vistas como uma boa sinalização dessa estratégia. A mesma leitura está sendo feita em relação à postura do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), diante da indicação do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) para integrar cinco comissões da Casa, incluindo a poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Lira fez chegar a ministros do STF a informação de que Silveira não integrará as comissões. O deputado foi condenado à prisão pelo Supremo, mas recebeu indulto de Bolsonaro.
O inquérito das fake news, comandado por Alexandre de Moraes, ainda é um empecilho a esse esforço político. Parlamentares de várias legendas defendem a tese de que esse processo não deve se prolongar indefinidamente.
“A atuação do Supremo merece reparos, o inquérito das fake news se arrasta por mais de dois anos, muito além dos limites tradicionais do direito brasileiro. O Supremo tem que caminhar para o encerramento do inquérito”, disse ao Correio o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), que chegou a apresentar um pedido de impeachment do ministro Moraes, em 2019, quando da instauração do processo. Posteriormente, o próprio Supremo considerou a investigação constitucional.
Vieira defende que o Senado seja a “Casa da ponderação”, que cumpra a função de “pacificar esse cenário por meio da construção de acordos políticos e legislativos”.
“Se eu discordo do Supremo, que permitiu a instauração do inquérito que, na minha visão, é absolutamente arbitrário, o que cabe é mudar a Constituição em um processo legislativo”, destacou.