O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou hoje a abertura de um inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) por ter feito, em live no Facebook, uma falsa associação entre a vacinação contra a covid-19 e um aumento de chance de contrair o vírus HIV.
No despacho, Moraes criticou a atuação do PGR (Procurador-geral da República), Augusto Aras. Segundo o ministro, Aras não poderia ter aberto apenas uma apuração interna sobre o caso, como foi feito até agora, porque a investigação nasceu de uma notícia-crime enviada ao STF. Por isso, segundo Moraes, é preciso um inquérito formal na PGR, com acompanhamento do Supremo.
A notícia-crime que provocou a investigação havia sido feita em outubro ao Supremo pela CPI da Covid, por meio do senador Omar Aziz (PSD-AM), logo após a aprovação do relatório final que atribui 10 crimes ao presidente. No pedido enviado ao STF, os senadores afirmaram que as declarações de Bolsonaro na live fazem parte de um “contexto bastante mais amplo de sucessivas e reiteradas manifestações criminosas” do presidente.
“Nesse contexto, não há dúvidas de que as condutas noticiadas do Presidente da República, no sentido de propagação de notícias fraudulentas acerca da vacinação contra o Covid-19 utilizam-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais”.
Alexandre de Moraes, ministro do STF.
Após a live, que foi removida pelo Facebook três dias após a publicação, Bolsonaro foi chamado por parlamentares da oposição de “profeta da ignorância”. A fala serviu de base para a CPI aprovar, também no final de outubro, um requerimento para suspender as redes sociais de Bolsonaro.
No final de novembro, porém, Moraes suspendeu tanto o requerimento de suspensão das redes como outra medida aprovada pela CPI: a quebra do sigilo telemático (de comunicações eletrônicas) do presidente. Uma decisão definitiva sobre o assunto ainda será tomada pelo plenário do STF.
Crítica à PGR
No documento, Moraes criticou a postura de Aras na apuração da live de Bolsonaro. Segundo o ministro, o PGR vinha apurando o assunto apenas por meio de uma Notícia de Fato, um instrumento interno do Ministério Público que serve como investigação preliminar.
Moraes entendeu que o procedimento da PGR foi irregular porque a apuração nasceu de uma notícia-crime enviada ao STF. Por essa razão, segundo o ministro, isso não poderia ser investigado sem controle judicial e o caso exige um inquérito formal, com acompanhamento do STF.
“Nesse contexto, não basta ao órgão ministerial que atua perante a CORTE, no caso, a Procuradoria-Geral da República, a mera alegação de que os fatos já estão sendo apurados internamente”.
Ministro Alexandre de Moraes, em reprimenda a PGR Augusto Aras.
“Para que a supervisão judicial ocorra de modo efetivo e abrangente – inclusive em relação à futuro arquivamento e incidência do artigo 18 do CPP – é indispensável que sejam informados e apresentados no âmbito do procedimento que aqui tramita, documentos que apontem em quais circunstâncias as investigações estão sendo conduzidas”, reclamou o ministro.
A investigação, segundo o ministro, deve ser feita “com a indicação das apurações preliminares e eventuais diligências que já foram e serão realizadas”, o que é uma condição para que se possa ter “uma noção abrangente e atualizada dos rumos dessa fase da persecução criminal”.
A live
Durante a live que provocou o inquérito, Bolsonaro leu uma suposta notícia, sem citar a fonte, afirmando que pessoas no Reino Unido estavam contraindo Aids depois de receberem duas doses da vacina contra covid-19. “Recomendo que leiam a matéria.
“Não vou ler aqui porque posso ter problemas com a minha live”, disse o presidente.
A alegação já havia sido refutada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que reforçou a necessidade de vacinação para portadores do vírus HIV. Entidades como a SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e a Unaids, o programa das Nações Unidas de combate à Aids, repudiaram a declaração.
“Não se conhece nenhuma relação entre qualquer vacina contra a Covid-19 e o desenvolvimento de síndrome da imunodeficiência adquirida”, disse a SBI em nota.