A rotina de moradores de Antônio Maria Coelho e Porto Esperança, em Corumbá e Ladário, tem sido marcada por uma nuvem constante de poeira de minério que cobre casas, plantações e até a água de consumo. O pó fino, levantado diariamente por caminhões de mineradoras em Corumbá que transportam minério de ferro das mineradoras que atuam na região, se tornou um problema crônico para quem vive próximo às áreas de extração.
Os moradores denunciam que as empresas responsáveis, como LHG Mining, Vetria Mineração, 3A Mining e a 4B Mining, não têm cumprido de forma efetiva as medidas de mitigação prometidas, como a aspersão de água nas vias utilizadas pelos caminhões. A situação, que se arrasta há meses, afeta diretamente a saúde da população e o meio ambiente pantaneiro.
Poeira constante e riscos à saúde
De acordo com a presidente da Associação de Moradores de Porto Esperança, a poeira levantada pelas carretas interfere no dia a dia da comunidade e já atinge níveis preocupantes.
“Eu moro próximo às atividades da empresa LHG e todos os dias minha comunidade sofre com a poeira de minério que ela espalha. Essa poeira cobre nossas casas, roupas, plantações e até chega dentro da água que usamos.
Além da sujeira, ela prejudica a saúde: causa tosse, irritação nos olhos e dificuldade de respirar, afetando principalmente crianças e idosos. A natureza também sofre, com plantas e animais cada vez mais enfraquecidos, e até o rio sendo contaminado.
A qualidade de vida da nossa comunidade está sendo destruída. Exigimos que a empresa LHG seja fiscalizada e que medidas sejam tomadas.”

Os relatos se repetem em diversas residências. Segundo os moradores, o problema vai além do incômodo físico, há preocupação com doenças respiratórias, agravamento de asma e bronquite, além da contaminação da vegetação e dos cursos d’água que abastecem a região. A poeira também reduz a visibilidade nas estradas e compromete a segurança de pedestres e motoristas.
Em algumas áreas, o uso de caminhões-pipa, previsto como medida paliativa, não resolvem o problema, pois, segundo informações dos moradores, nem isso as empresas estariam fazendo com regularidade.

Apuração do Ministério Público
As queixas não se restringem a Corumbá. Em Ladário, cidade vizinha, também há registros de transtornos causados pela circulação de caminhões e pelo acúmulo de pó mineral. As denúncias levaram o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) a instaurar um inquérito civil para apurar os impactos à saúde e ao meio ambiente.
Moradores relatam que veículos trafegam em alta velocidade pelas vias, levantando grandes nuvens de minério e colocando em risco crianças, animais e ciclistas que utilizam o trajeto diariamente.
Expansão das atividades e temor da comunidade
Enquanto convivem com os efeitos da poluição, as comunidades locais acompanham com preocupação os planos de ampliação da extração de minério na região. A LHG Mining apresentou um projeto para elevar a produção anual para 25 milhões de toneladas, o que, segundo os moradores, pode intensificar ainda mais os impactos.
Durante audiência pública realizada em 2 de outubro, moradores afirmam que não houve espaço para diálogo. O representante da comunidade de Antônio Maria Coelho relatou que as perguntas eram lidas e respondidas de forma protocolar, sem permitir debate.

“Eu já participei de várias audiências públicas, mas nunca tinha visto isso. As perguntas eram lidas, passadas ao diretor da empresa, ele respondia e ponto final. A gente queria debater os dados do relatório de impacto ambiental, mas não tivemos chance. Foi lamentável”, afirmou um morador, que também é geógrafo e participou da reunião.
Diante disso, a Associação de Moradores de Antônio Maria Coelho protocolou um abaixo-assinado pedindo a anulação da audiência, alegando falta de transparência e de participação popular. A comunidade critica a postura do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), que, segundo eles, não garantiu o devido espaço para manifestação dos atingidos.
Preocupação com o Pantanal
Localizadas em uma das áreas mais sensíveis do Pantanal sul-mato-grossense, as comunidades afetadas pedem que órgãos ambientais e autoridades públicas reforcem a fiscalização e exijam o cumprimento das medidas de controle da poluição.

O tema foi discutido em audiência pública realizada nesta quinta-feira (2), no Centro de Convenções de Corumbá, onde foram apresentados o empreendimento e o EIA/RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) da LHG Mining.
Em nota, a empresa informou que o documento “foi desenvolvido com a expertise de 39 profissionais, entre cientistas e especialistas de diferentes áreas” e que “é amplo e detalhado, elaborado em conformidade com a legislação vigente”.
Para os moradores, a expansão das mineradoras contrasta com o esforço de preservação do bioma e ameaça não só o equilíbrio ambiental, mas também a sobrevivência de quem vive da pesca, do turismo e da agricultura familiar.
Enquanto aguardam respostas, as famílias de Antônio Maria Coelho e Porto Esperança seguem convivendo com a poeira que insiste em cobrir o horizonte — símbolo de uma disputa desigual entre o progresso e a vida no coração do Pantanal.
Mais prejuízo do que desenvolvimento
Há quase duas décadas, um grave impacto ambiental marcou Corumbá, com o secamento do Córrego Urucum, situado no Maciço do Urucum. Antes um manancial volumoso, se transformou em um pequeno filete de água até sua total extinção.

O episódio foi consequência direta das operações da empresa Urucum Mineração S.A., que posteriormente foi incorporada a Vale e atualmente sob a direção da LHG-Mining.
Estudos geoambientais realizados após o ocorrido apontaram que a exploração mineral provocou o rebaixamento do lençol freático, e interrompeu a vazão natural do curso d’água. Além disso, o levantamento identificou que duas grandes explosões na mina tiveram papel decisivo no episódio.
A interrupção do fluxo hídrico também afetou o abastecimento de assentamentos locais e levou ao secamento da Lagoa Jacadigo, ampliando os efeitos negativos sobre o ecossistema da região.
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