A absolvição dos sete acusados pelo incêndio no Ninho do Urubu, que matou 10 adolescentes entre 14 e 16 anos em fevereiro de 2019, gerou forte reação de familiares das vítimas. A Associação dos Familiares de Vítimas do Incêndio do Ninho do Urubu (Afavinu) classificou a decisão da 36ª Vara Criminal do Rio de Janeiro como uma “falha grave da Justiça” e afirmou que a medida representa afronta à memória dos jovens. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) confirmou que recorrerá da sentença.
Decisão judicial e críticas
O juiz Tiago Fernandes Barros entendeu que não havia provas suficientes para responsabilizar criminalmente os réus, destacando que não se pode condenar alguém apenas pelo cargo ocupado sem comprovação de ação ou omissão determinante. Foram absolvidos: Antônio Márcio Mongelli Garotti, Marcelo Maia de Sá, Edson Colman da Silva, Cláudia Pereira Rodrigues, Danilo da Silva Duarte, Fábio Hilário da Silva e Weslley Gimenes. Já o ex-presidente do Flamengo, Eduardo Carvalho Bandeira de Mello, teve a punibilidade extinta pelo tempo transcorrido do processo.
A Afavinu, em nota, afirmou: “A absolvição dos acusados, sob o argumento de que não se conseguiu individualizar condutas técnicas ou provar nexo causal penalmente relevante, renova em nós o sentimento de impunidade e fragiliza o mecanismo de proteção à vida e à segurança dos menores em entidades esportivas”.
Repercussão e próximos passos
Além da esfera criminal, o Flamengo segue respondendo a uma ação cível movida pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) e pelo MPRJ, que pede indenização às famílias e dano moral coletivo de pelo menos R$ 20 milhões, a ser destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD).
A associação de familiares reforçou que continuará mobilizada para que a decisão seja revista em instâncias superiores e cobrou medidas concretas de fiscalização em alojamentos de atletas. “A memória dos jovens não será silenciada: os nomes deles, suas vidas interrompidas em circunstâncias evitáveis, exigem que continuemos vigilantes”, destacou a entidade.
As vítimas
Os adolescentes mortos no incêndio foram: Athila Paixão (14), Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas (14), Bernardo Pisetta (14), Christian Esmério (15), Gedson Santos (14), Jorge Eduardo Santos (15), Pablo Henrique da Silva Matos (14), Rykelmo de Souza Vianna (16), Samuel Thomas Rosa (15) e Vitor Isaías (15). Outros três jovens ficaram feridos.
Veja, abaixo, a nota da associação de familiares na íntegra:
“A Associação dos Familiares de Vítimas do Incêndio do Ninho do Urubu (Afavinu), que congrega mães, pais, irmãos e demais familiares das dez vítimas fatais da tragédia ocorrida em 8 de fevereiro de 2019 no alojamento da base do Flamengo, manifesta seu profundo e irrevogável protesto diante da decisão proferida pela 36ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que absolveu em primeira instância todos os sete acusados no processo criminal resultante dessa tragédia.
Entendemos que o papel da Justiça não se limita à aplicação da lei em casos individuais, mas exerce uma função pedagógica essencial na prevenção de novos episódios semelhantes, no envio de mensagem clara à sociedade de que negligências de segurança, falhas na estrutura técnica e irresponsabilidades não serão toleradas — e não cumprir essa função configura, para nós, grave afronta à memória das vítimas e ao sentimento de toda a sociedade.
Relembremos que os jovens falecidos — adolescentes em formação, atletas da base — dormiam em contêineres improvisados, sem alvará adequado, com indícios de falha elétrica, grades de janelas que dificultavam a saída, entre outras condições de insegurança.
A absolvição dos acusados, sob o argumento de que não se conseguiu individualizar condutas técnicas ou provar nexo causal penalmente relevante, renova em nós o sentimento de impunidade e fragiliza o mecanismo de proteção à vida e à segurança dos menores em entidades esportivas, formativas ou assistenciais no país.
A AFAVINU seguirá em busca de Justiça e na esperança de que a decisão seja revista e assim reitera seu pedido de que o processo seja acompanhado com rigor pelos órgãos de recurso para que a sociedade receba a mensagem de que tais condutas não ficarão impunes.
Para que a morte destes adolescentes não seja em vão, seguiremos exigindo dos órgãos de fiscalização (municipal e estadual) e do poder público em geral — inclusive esporte, juventude e fiscalização de edificações — a implementação de medidas concretas para tornar obrigatórias auditorias frequentes e manutenção preventiva em alojamentos de atletas, jovens/menores em todos os clubes do País, de modo que tragédias irreparáveis, como a do Ninho do Urubu, não se repitam.
Reafirmamos que a memória dos jovens não será silenciada: os nomes deles, suas vidas interrompidas em circunstâncias evitáveis, exigem que continuemos vigilantes.
A decisão judicial, ao não reconhecer a responsabilização penal, representa uma falha grave do sistema de justiça em seu papel pedagógico — e como tal, reforça em nós o dever de mobilização civil para fortalecer os mecanismos de fiscalização, transparência e responsabilidade em espaços de formação de jovens.
Conclamamos a imprensa, entidades de defesa dos direitos humanos, movimentos esportivos e toda a sociedade a não permitir que essa decisão se transforme em precedente de que a segurança de crianças e adolescentes pode ser tratada com negligência criminosa. A vida dos nossos filhos tem um valor irreparável e em memória aos 10 garotos inocentes lutaremos, até o fim, por uma Justiça efetiva e capaz de inibir novos delitos com sentenças que protegem as vítimas e não os algozes.
Aos torcedores do Flamengo e a todos que amam o futebol e às crianças, a AFAVINU faz um apelo: que a paixão pelos clubes se traduza também em compromisso com a vida. Que o amor pelo esporte, que move milhões de corações, seja também amor pela segurança, pela ética e pela memória daqueles dez meninos que sonhavam em vestir, com orgulho, a camisa rubro-negra ou de outros mantos sagrados. O verdadeiro espírito esportivo exige empatia, responsabilidade e humanidade. Honrar esses valores é proteger as futuras gerações de atletas e garantir que o futebol continue sendo motivo de alegria — nunca de luto”.
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