Estudo inédito encontra agrotóxico com potencial cancerígeno em bacia do Pantanal

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Rio Santo Antônio, em Mato Grosso do Sul. — Foto: SOS Pantanal/Reprodução
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  • Post publicado:22 de março de 2024

Um estudo inédito identificou a presença do fungicida carbendazim no rio Santo Antônio, afluente importante para a bacia do pantanal, em Mato Grosso do Sul, aponta uma pesquisa da Organização Não Governamental (ONG) SOS Pantanal.

O carbendazim é um agrotóxico que tem uso proibido no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2022. O produto químico tem potencial cancerígeno e de risco à reprodução humana, conforme especialistas.

Divulgado com exclusividade pelo g1, o levantamento foi realizado ao longo de cinco meses, de outubro de 2023 a março deste ano, em três pontos específicos do rio Santo Antônio, em Guia Lopes da Laguna. Publicado nesta sexta-feira (22), Dia Internacional da Água, a pesquisa tem como objetivo alertar para a má conservação do solo e para utilização de agrotóxicos proibidos.

Três preocupantes componentes químicos e bactérias foram encontrados nos pontos de coleta do rio Santo Antônio pelas equipes da SOS Pantanal. Veja abaixo:

Carbendazim: fungicida é proibido de ser vendido no Brasil desde 2022, de acordo com a Anvisa. O agrotóxico é considerado de alto risco à vida humana, biodiversidade e com potencial cancerígeno.

Coliformes fecais: são bactérias, que identificadas em grande quantidade, podem afetar drasticamente a biodiversidade e saúde das pessoas;

Metolacloro: a exposição repetida deste elemento químico pode provocar sensibilização da pele e é considerado extremamente tóxico.

Além do Carbendazim, coliformes fecais e Metolacloro, as análises clínicas identificaram a presença de Nitrato e Fosfato (se ingeridos em excesso, podem causar problemas à saúde humana), presentes em agrotóxicos utilizados em plantações, nas águas do afluente pantaneiro.

Ao longo dos levantamentos, 109 parâmetros foram analisados para oferecer uma conclusão mais precisa dos elementos identificados, como explica o pesquisador da SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa. Foram realizadas 10 coletas nos três pontos específicos do rio.

“Identificamos um rio com péssima qualidade de água, baixa oxigenação, presença de coliformes fecais, altos níveis de nitrato e fosfato, que são derivados químicos. Porém, o que mais nos preocupou foi a presença de substâncias muito preocupantes, o carbendazim e o metolacloro.”- Gustavo Figueirôa.

Para chegar às conclusões, os pesquisadores da ONG levaram em consideração as dinâmicas de plantações de soja próximas ao afluente, a quantidade de chuva antes dos dias de coleta, as condições climáticas gerais e locais de fácil acesso.

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A presença dos agrotóxicos foi apenas um dos itens alarmantes identificados pela pesquisa, como Figueirôa explica. Foi constatada também a falta de Áreas de Proteção Permanente (APP) no entorno das plantações de soja nos três pontos de coleta.

O pesquisador afirmou que as propriedades fazem mau uso do solo, o que intensifica a chegada dos agrotóxicos no rio.

Figueirôa explica que pela legislação, o rio Santo Antônio deveria ter uma faixa marginal de 50 metros de largura mínima a borda da calha do leito regular de APP. Entretanto, este não foi o cenário encontrado pelos pesquisadores.

“É de extrema importância para a manutenção da qualidade da água dos rios, as matas ciliares servem como um filtro de materiais que fluem em direção à margem dos rios, tais como sedimentos, resíduos, agrotóxicos, dentre outros”, apresenta parte do levantamento inédito.

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Pesquisadores durante coleta de amostras, no rio Santo Antônio. — Foto: Gustavo Figueirôa-SOS Pantanal/Reprodução

Com plantações cada vez mais próximas ao rio, um regime de chuva difuso e um solo cada vez mais exposto, a chegada dos agrotóxicos aos rios foi quase inevitável, como Figueirôa pondera.

“A hora que a chuva cai, a água vai levando esse solo, um solo exposto. Leva este solo contaminado com agrotóxicos para a produção, para os rios. Com a falta de mata ciliar, não tem essa filtragem, então tudo desce direto para o rio e dentro do rio você causa o assoreamento”.

Três pontos de atenção foram apresentados pelo estudo da SOS Pantanal:

  • Mau uso do solo;
  • Ausência de APP, que seriam os filtros naturais antes dos rios;
  • Degradação geral do ecossistema.

“Tudo isso, somado pela degradação geral que a gente tem visto no Cerrado e no entorno do Pantanal, causa impactos. Menos chuva e mais área degradada, começa a conectar tudo. Sem chuva na Amazônia, não tem Pantanal cheio, não tem rio cheio, tem rio assoreado”, contextualiza Figueirôa.

Água, solo e ar: elementos interligados

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Pontos das coletas, próximos ao município de Guia Lopes da Laguna. — Foto: SOS Pantanal/Reprodução

Com um solo mais exposto, o monitoramento do rio Santo Antônio se deu pela importância do afluente para o abastecimento da cidade de Guia Lopes da Laguna, que tem quase 10 mil habitantes.

“A partir dos resultados, queremos entender o risco de contaminação da água utilizada pela população da cidade. Outro fator importante para o monitoramento do rio Santo Antônio foram estudos identificando déficit de Área de Preservação Permanente (APP) considerando o que preconiza o Código Florestal. A proteção da vegetação ciliar APP é importante para a manutenção da qualidade da água dos rios”, pondera o estudo.

A professora do Instituto de Biociências da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Inbio-UFMS) Alexandra Pinho vê com preocupação a presença dos fungicidas no rio Santo Antônio e a falta de APP ao entorno do afluente. A especialista em recuperação de áreas degradadas e transporte de poluentes, explica que a preocupação não deve ser isolada apenas aos humanos, mas à toda a biodiversidade.

“Uma coisa importante que a gente tem que observar é que não é só para o ser humano. O rio está cheio de seres vivos, inclusive seres vivos que a gente se alimenta. A água que a gente bebe vem do rio. Grande parte do agrotóxico usado na agricultura vai se dispersar no ambiente, uma pequena parcela usada que realmente vai cair na planta. Uma parte, dependendo de como for aplicado, se for aéreo, por exemplo, fica na atmosfera”, como Pinho apresenta.

A pesquisadora da UFMS explica a dinâmica dos agrotóxicos. Segundo Pinho, a dispersão dos ativos químicos está interligada entre ar, terra e água. A identificação do carbendazim no rio Santo Antônio também indica a presença do agrotóxico em nuvens e no solo, como a especialista detalha.

“Na atmosfera temos nuvem, muitas bactérias, insetos e aves, alguns extremamente importantes para polinizar e fazer a preservação da floresta e onde os seres humanos estão respirando esse agrotóxico. Vai depender muito do agrotóxico utilizado, alguns são tóxicos mais agudos, outros de forma crônica, é muito complexo de avaliar”.

Os mais afetados pelos agrotóxicos

Para o estudo da SOS Pantanal, as pessoas mais afetadas com a presença dos agrotóxicos no rio Santo Antônio são os 10 mil moradores de Guia Lopes da Laguna, que consome a água do afluente. Porém, uma outra população está mais exposta aos ativos químicos: ribeirinhos e indígenas.

Pinho explica que os indígenas e ribeirinhos têm contato mais próximo com a água não tratada. Por isso, a vulnerabilidade destas populações à exposição aos agrotóxicos.

A professora do Departamento de Geografia da Universidade São Paulo (USP) e pesquisadora na Universidade Livre de Bruxelas, Larissa Bombardi, é especialista no mapeamento de agrotóxicos. A cientista é categórica ao afirmar que as comunidades locais são as mais afetadas pelos ativos químicos.

“Os mais afetados no Brasil são os camponeses, trabalhadores rurais e indígenas. Os mais vulneráveis são aqueles que estão em contato direto com as substâncias. Seja porque trabalham com as substâncias ou estão próximos das áreas com a utilização extensiva”, comenta Bombardi.

Radicada na Bélgica após sofrer perseguição política pela publicação de uma pesquisa que mapeou o uso dos agrotóxicos no Brasil, Bombardi dedica parte da vida para entender a dinâmica da utilização dos ativos em áreas rurais e os impactos na população como um todo.

“Mato Grosso é o estado que mais consome agrotóxicos no Brasil. Mato Grosso do Sul é um dos maiores também, é um problema da maior magnitude. O problema humano, que remete ao período da colonização, é que estamos vendo a expulsão de povos indígenas da terra por meio do agrotóxico. Do ponto de vista ambiental, essas substâncias estão contaminando a água e o solo. O agrotóxico não fica apenas no local onde ocorreu a contaminação, ele se espalha”, disse.

Como o estudo da SOS Pantanal pontua, Bombardi reitera a interligação do bioma com outras partes do Brasil. “O Pantanal é afetado porque a contaminação vem com a água. O Pantanal é uma bacia que vai receber a água contaminada de uma altitude maior. Tudo aquilo que é utilizado nas cabeceiras dos rios, vão para o bioma com a água. É uma tragédia enorme! Não adianta proteger apenas um bioma, se a área em local mais alto não estiver protegida”.

“Se nós, com esse corpo, somos afetados, nós somos só a ponta do iceberg que é muito maior. O impacto é também em outros seres menores que nós, mais suscetíveis do que nós. Há uma contaminação ampliada. Se nós, do tamanho que somos já fomos afetados, é porque a natureza já está sendo afetada há muito tempo”, comenta a professora da USP.

Boas práticas para preservação do solo e água

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Recuperação de mananciais deve ser priorizada para reestabelecimento de rios. — Foto: Famasul/Reprodução

Em Mato Grosso do Sul, produtores rurais buscam desenvolver boas práticas de uso do solo e conservação de mananciais.

O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural no estado (Senar-MS) encabeça o programa “Proteção de Nascentes”, que ajuda na manutenção do meio ambiente e recuperação de áreas degradadas.

Todo o trabalho começa com a chegada das sementes, que são doadas por parceiros. A produção de mudas começa com a seleção e tratamento das sementes e aplicação de substrato no tubete, um recipiente de plástico que ajuda no desenvolvimento das raízes.

As mudas são destinadas às propriedades rurais atendidas pelo Senar/MS. Os técnicos de campo são os responsáveis para levá-las até as propriedades para que cheguem de maneira adequada ao plantio.

Quanto ao manejo dos agrotóxicos em propriedades rurais, o Senar-MS oferece capacitação e treinamento sobre a aplicação e cumprimento das normas regulamentadoras por parte dos trabalhadores e produtores rurais.

A consultora técnica da Federação de Agricultura de Mato Grosso do Sul (Famasul) Tamíris Azoia explica que a prescrição de produtos de agrotóxicos é obrigatória e deve ser feita por um profissional habilitado. Quanto à aplicação dos defensivos, a prática deve seguir parâmetros exigidos por cada item.

“Esse fator já trás para nós uma eficiência de uso maior dos produtos fitossanitários. Depois disso, na propriedade é feito a utilização de equipamentos de proteção individuais obrigatórios para todos os trabalhadores na aplicação dos produtos. Depois temos o descarte correto dessa embalagens, a tríplice lavagem, a colocação dentro de construções rurais feitas de forma adequada e normatizada e a devolução dessas embalagens de forma correta”.

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Área de preservação. — Foto: Famasul/Reprodução

O g1 questionou a Famasul sobre os dados identificados pela SOS Pantanal e a preocupação da organização quanto às boas práticas no campo. Em nota, a Famasul afirmou que atende mais de 9 mil produtores no estado, levando informações sobre gestão e boas práticas no campo.

Quanto ao déficit encontrado de APP ao entorno do rio Santo Antônio, a Famasul ressaltou a importância dos produtores rurais possuírem o Cadastro Ambiental Rural (CAR).

“Os produtores rurais, para terem a sua atividade agropecuária regular, devem estar com os requisitos ambientais do CAR em dia, o que é a realidade da grande maioria do estado de MS”, pondera a nota.

Em Mato Grosso do Sul, quem fiscaliza as propriedades e a falta de APP é o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul). Por lei, o estado exige e monitora a recomposição das áreas de preservação permanente através do CAR-MS.

Diante do estudo da SOS Pantanal, o governo do estado, por meio de nota, informou que fará uma verificação in loco nos três pontos analisados pela ONG.

“O estado já tem trabalhado fortemente na bacia Miranda, principalmente na região de Bonito e tomará todas as medidas necessárias”, detalha trecho do comunicado ao g1.

Diante do exposto pela pesquisa, o governo estadual afirmou atuar neste cenário por meio do “Conselho Estadual de Recursos Hídricos e os Comitês de Bacias Hidrográficas, que são instâncias de discussão com a sociedade e atores envolvidos para a proposição de iniciativas e políticas públicas que garantam a melhora na quantidade e qualidade dos recursos hídricos do estado”.

Sobre o monitoramento do uso de agrotóxicos em Mato Grosso do Sul, o governo estadual direcionou a discussão à União.

“A matéria relacionada à liberação para comércio e uso de defensivos agrícolas no Brasil é de competência da União, no entanto, vale destacar que, a União por meio do MAPA e ANVISA, ao liberarem o uso dos defensivos agrícolas, avaliou e concluiu que esses produtos, respeitados as indicações de uso por profissional habilitado, não oferecem riscos à saúde humana e animal”, pondera a nota.

Políticas públicas e agroecologia

Para responder aos anúncios apresentados pelo estudo, a SOS Pantanal ponderou quatro recomendações. As propostas são urgentes, como Gustavo Figueirôa pontua. Veja abaixo o que cada uma aponta:

  • Criar e implementar um programa de restauração das Áreas de Preservação Permanente a fim de recuperar a qualidade e quantidade de água rio Santo Antônio;
  • Criar e implementar fóruns permanentes junto às entidades de classe ligadas à produção agropecuária para debater sobre as práticas conservacionistas de solo e água e o uso adequado de produtos químicos;
  • Estabelecer o monitoramento de agrotóxicos continuado da bacia do rio Santo Antônio;
  • Ampliar o monitoramento de agrotóxicos em fauna aquática (peixes e ariranhas).

A professora da USP Larissa Bombardi apresenta dois caminhos possíveis para diminuição da nocividade dos ativos químicos. O avanço da agricultura agroecológica e uma regulamentação internacional para o uso e produção de agrotóxicos. A pesquisadora comenta a discrepância das regulações regionais e internacionais.

“Temos que ter uma regulação internacional que vise a produção programada dessas substâncias. Enquanto não atingimos esse nível de zerar o consumo, temos que ter o mesmo padrão para todos os países. O resíduo de agrotóxicos autorizado na União Europeia tem que ser o mesmo autorizado no Brasil. Nós não somos de outra matéria humana do que a dos europeus”.

Pantanal: Patrimônio Mundial da Humanidade

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Pantanal é a maior planície alagável do planeta. — Foto: Luiz Mendes/Arquivo Pessoal

O Pantanal abriga uma diversidade única, que inclui várias espécies ameaçadas, ao todo são:

  • 3,5 mil espécies de plantas;
  • 325 espécies de peixes;
  • 53 espécies de anfíbios;
  • 98 espécies de répteis;
  • 656 espécies de aves;
  • 159 tipos de mamíferos.

O bioma é a maior planície alagável do mundo, com mais de 220 mil km², o que equivale à soma das áreas de quatro países europeus – Bélgica, Suíça, Portugal e Holanda. O Pantanal está presente no Brasil, Paraguai e Bolívia. No território brasileiro, o bioma pode ser visto em 22 cidades.

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