Ambientalista e artistas se juntam no combate a incêndios no Pantanal

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Equipes combatem aos focos de incêndios na região do Abobral / Fotos: Divulgação Corpo de Bombeiros
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  • Post publicado:12 de setembro de 2022

Com o corpo encharcado de suor, os cabelos cobertos de fuligem, o rosto e os olhos avermelhados pela exposição junto ao fogo, Leonardo Gomes encontra fôlego em meio à fumaça sufocante: “O Pantanal precisa de guardiões”.

Está diante de mais um incêndio em terra pantaneira. Desta vez, a cerca de 80 km de Corumbá, cidade que se configura como uma das principais portas de entrada do Pantanal sul-mato-grossense.

Troncos ainda queimam, labaredas ardem e gaviões-caboclos, os populares gaviões-fumaças, arrodeiam a área queimada no momento em que brigadistas da SOS Pantanal chegam ao campo afetado. À beira do fogaréu, os termômetros superam os 50ºC.

Leonardo Gomes, da SOS Pantanal, na sede da APA Baía Negra, em Ladário, Mato Grosso do Sul – Renato Stockler/Folhapress

Diretor de estratégia da SOS Pantanal, Gomes, 35, esboçava um leve sorriso ao certificar-se de que a tarefa estava cumprida: o fogo não teria mais chances de se expandir.

Seguindo de Corumbá para a capital, Campo Grande, onde fica a sede da SOS Pantanal, Gomes, de rádio em punho, fica atento a novos focos.

Na BR-262, conhecida entre os ambientalistas como “a rodovia da morte do bioma”, ele espia com atenção o mato seco, típico desta época do ano.

Enquanto avista animais atropelados ao longo da rodovia, esse carioca formado em psicologia explica: “As queimadas impactam a fauna, o rebanho bovino, as culturas de subsistência, agrícola e pesqueira, a saúde humana. É uma tremenda desgraça”.

As queimadas impactam a fauna, o rebanho bovino, as culturas de subsistência, agrícola e pesqueira, a saúde humana. É uma tremenda desgraça

Leonardo Gomes

sobre os incêndios no Pantanal

Ele não está sozinho na empreitada anti-incêndio. No fogo que acabara de pôr fim, contou com o apoio de um ribeirinho. José Domingos, 56, morador da comunidade Porto Esperança, às margens do rio Paraguai, foi treinado pela SOS Pantanal e usa EPI (equipamento de proteção individual) doado pela ONG.

Domingos é um dos protagonistas das Brigadas Pantaneiras, projeto que capacita moradores de comunidades ribeirinhas, peões, líderes comunitários e fazendeiros para agir em caso de incêndio.

Havia cinco dias, o pescador brigadista acompanhava o fogo, proposital, ateado por um fazendeiro da região com o objetivo de transformar o território verde em pasto para o gado. Ao todo, o incêndio varreu uma área equivalente a 9.000 campos de futebol.

José Domingos, brigadista da comunidade ribeirinha Porto Esperança, na beira do Rio Paraguai (MS) – Renato Stockler/Folhapress

Foi assim que, em 2020, incêndios começaram, alastraram-se e destruíram 4 milhões de hectares, equivalente a 26% do bioma, matando 17 milhões de animais vertebrados, numa das maiores tragédias ambientais do planeta.

Naquele ano trágico, ao vivenciar “o inferno na pele”, nas palavras de Gomes, a SOS Pantanal criou as Brigadas Pantaneiras. Equipou, treinou e orientou gente do Pantanal para que cada um de seus integrantes consiga agir e brecar o fogo em sua terra de origem.

Primeiro, os integrantes das Brigadas Pantaneiras passam por um curso técnico de treinamento intensivo. Também recebem EPIs, abafadores, sopradores, bombas costais e outros equipamentos de combate individuais e coletivos.

Para colocar o programa das brigadas de pé, a SOS Pantanal teve o apoio do Documenta Pantanal, iniciativa que congrega aos menos 60 personalidades interessadas na proteção do bioma. O Documenta articulou uma ação chamada Artistas pelo Pantanal, organizada por sete mulheres. Nela, 42 criadores, entre eles Adriana Varejão, Leda Catunda e Vik Muniz, doaram 44 obras.

O valor arrecadado com o leilão, cerca de R$ 2 milhões, foi usado para dar forma, cor e estrutura às Brigadas Pantaneiras. “A gente precisava desse dinheiro para criar essa mobilização”, conta Mônica Guimarães, 61, coordenadora do Documenta Pantanal e, há 20 anos, produtora do festival internacional de documentários É Tudo Verdade.

Santista, moradora de Santa Cecília, na região central de São Paulo, Guimarães avalia que faltou prontidão política no combate aos incêndios no Pantanal. “Diferentes camadas não funcionaram como deveriam”, ela avalia.

Mônica Guimarães, coordenadora do Documenta Pantanal, que articulou mais de R$ 2 milhões em doações com leilão de arte – Renato Stockler/Folhapress

Formada em artes cênicas, Guimarães conheceu a região nos anos 1990, na esteira da fama trazida à região pela primeira versão da novela, exibida pela extinta TV Manchete. “Levei um susto estético. Fiquei impactada por tamanha beleza. Nunca tinha visto um tuiuiú na minha vida”, recorda-se, ao se referir à ave símbolo do Pantanal.

Além de artistas, a iniciativa do Documenta reúne cineastas, chefs, ambientalistas e fazendeiros. “Pessoas comprometidas com o meio ambiente que não estão preocupadas com consumo frívolo, mas em atuar e agir em defesa do Pantanal”, segue Guimarães.

O resultado dessa união originou o maior grupo de brigadas do Brasil, segundo Gomes.

Assim, elas seguem florescendo. Hoje, são 24 brigadas, com 305 integrantes, cuja área de atuação atinge um tamanho quatro vezes maior que o da cidade de São Paulo.

Os brigadistas e a equipe do SOS Pantanal se falam ao menos duas vezes por dia, sete dias por semana. O objetivo é monitorar focos de incêndio e saber como acionar as brigadas em caso de fogo.

O acompanhamento nas áreas de atuação brigadista se baseia em dados meteorológicos. Qualquer sinal de fumaça, o grupo atua em conjunto.

Estudantes, pesquisadores, bombeiros militares, guias de turismo e voluntários em curso prático de brigadistas em Aquidauana (MS) – Renato Stockler/Folhapress

Em 2021, por exemplo, as Brigadas Pantaneiras conseguiram reduzir em até 80% as queimadas em áreas sobre as quais atuam, calcula Gomes.

Como diretor de estratégia da SOS Pantanal, ele planeja ampliar o número de brigadas e dar manutenção às atuais, assim como pretende criar um programa de agente comunitário de vigilância em espaços ainda sem a presença das Brigadas Pantaneiras.

Na outra ponta, vende planos de manejo do fogo para fazendas e apoia a elaboração de políticas públicas como a Lei dos Planos de Manejo Integrados do Fogo de MS.

A parceira do Documenta Pantanal acredita que novas ações envolvendo a arte podem ser criadas para auxiliar na continuidade do projeto brigadista. A SOS Pantanal nasceu em 2009. Logo na estreia, o trabalho era mapear a cobertura vegetal do Alto Paraguai, região que engloba rios como Paraguai e Cuiabá, e onde foram catalogadas ao menos 4.000 nascentes.

Não constava do plano inicial da SOS, todavia, sair Pantanal afora apagando fogo. Gomes e seus colegas de equipe já haviam detectado um cenário de seca, que vinha se prolongando nos últimos quatro anos. Impacto indissociável da crise do clima. O volume de chuvas tinha caído 30%. A tragédia, enfim, se anunciava.

“O Pantanal segue como um ecossistema frágil”, diz Gomes. “No entanto, seus guardiões agora estão mais capacitados e conectados.”

PROJETO EM NÚMEROS

  • 305 brigadistas formados e equipados, distribuídos em 24 brigadas pantaneiras integradas ao Corpo de Bombeiros
  • 4.800 EPIs de combate a incêndios florestais e 12 tanques-pipa distribuídos
  • 76% de redução da área queimada no perímetro das brigadas, que equivale a 5% do bioma
  • R$ 2,1 milhões arrecadados pelo Documenta Pantanal com a venda de 44 obras de arte de 42 artistas para financiar as brigadas