Especialistas apontam aumento da violência contra crianças durante a pandemia

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O Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDCA) informou que publicará em seu site nota técnica sobre todos os procedimentos que devem ser adotados em casos de agressão contra menores de idade. O texto será submetido à assembleia plena do conselho para aprovação.

O presidente da instituição, Carlos André Moreira dos Santos, disse que o tema é pauta prioritária da instituição. “Além de ser um órgão deliberativo e fiscalizador, o conselho estadual é um órgão de controle social que vai acolher as denúncias e cobrar das autoridades competentes, para que sejam tomadas as devidas providências”, acrescentou.

Pessoas com suspeita de que uma criança está sendo vítima de maus-tratos podem denunciar o caso aos conselhos tutelares, às polícias Civil e Militar, ao Ministério Público e também pelo canal Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

O professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio), Daniel Monnerat, especializado em psiquiatria infantil, explicou que, diferentemente de pacientes adultos, uma criança vítima de violência pode apresentar quadros de depressão e ansiedade. Além de perda de interesse em atividades antes prazerosas e humor deprimido, esses quadros podem ser caracterizados por aumento de irritabilidade, isolamento social, alterações de sono e no apetite.

Monnerat esclareceu que as crianças podem passar a comer mais ou menos, como uma atitude compensatória para suprir a ansiedade, por exemplo, de estarem sofrendo agressões verbais ou físicas. Esses são, segundo o especialista, os principais pontos que devem ser observados.

“A criança pode apresentar, indiretamente, esses sinais ou sintomas, mostrando que é preciso investigar e esclarecer se essas agressões podem estar acontecendo ou não”. Para o professor, quanto mais nova uma criança e mais cedo é vítima de agressão, mais dificuldade, muitas vezes ela tem de verbalizar o que esteja sofrendo. É preciso que pais e responsáveis tenham sensibilidade para entender os sinais e sintomas de uma possível agressão contra os menores.

Acompanhamento

De acordo com o médico, o tratamento psiquiátrico para uma criança vítima de maus-tratos tem de ser particularizado, caso a caso. “Porque não sabemos se essa criança que está sofrendo alguma agressão moral ou física já apresentava algum diagnóstico psiquiátrico prévio”.

Ele disse que, de qualquer maneira, o acompanhamento tende a ser multiprofissional. Ou seja, envolve acompanhamento psiquiátrico, “medicando ou não a criança, de acordo com os sintomas mais ou menos exuberantes que possam interferir de maneira mais incisiva na rotina de vida dela” e buscando apoio de psicólogos e pediatras. Acrescentou que sinais observados no exame físico ou na consulta podem servir para que se faça uma intervenção que permita interromper aquele processo de agressão ao qual o menor esteja sendo submetido.

O presidente do Departamento Científico de Segurança da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Marco Gama, afirmou que as principais causas de morte em crianças acima de 1 ano até os 19 anos de idade no país são violência e acidentes. “Não são as doenças infectocontagiosas”. Advertiu que, em geral, as pessoas não têm essa visão. O pediatra avaliou, por outro lado, que as mortes por violência e acidentes são evitáveis, mas faltam ações para que esses números sejam reduzidos.

No período de 2010 a agosto de 2020, 103,149 mil crianças e adolescentes de até 19 anos de idade morreram vítimas de agressões no Brasil. Os óbitos por agressões e suas causas podem ser conferidos no Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, obedecendo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10).

Até 4 anos

Os números analisados pela SBP mostram que, entre 2010 e agosto do ano passado, 2,083 mil crianças mortas por maus-tratos estavam na faixa etária de zero a 4 anos de idade. Essa era a idade do menino Henry Borel, vítima de suposta violência em casa que o levou à morte, no último dia 8 de março.

Embora os números relativos a 2020 ainda sejam preliminares, a análise da década revela que as agressões por meio de disparo de outra arma ou de arma não especificada lideram os óbitos entre crianças e jovens, totalizando 76,528 mil casos. Na faixa até 4 anos, esse tipo de agressão causou 386 mortes nos últimos dez anos. Em seguida, aparecem as agressões por meio de objeto cortante ou penetrante, com 10,066 mil mortes entre crianças e adolescentes de até 19 anos.

De acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, as agressões por meios não especificados foram as causas de 451 mortes de crianças até 4 anos no período investigado, seguidas por agressões por meio de objeto contundente (254), por outras síndromes de maus-tratos (190) e por agressões por meio de objeto cortante ou penetrante (164).

Violência é doença

Marco Gama esclareceu que embora a mortalidade seja alta, o número de vítimas de agressão é muito superior. Em 2018, por exemplo, foram 140 mil crianças e adolescentes agredidos. “Isso é subnotificado”, disse. O total de crianças de zero a 4 anos de idade foi de 32 mil, “também subnotificado”, nesse ano. “É um número crescente, a cada ano que passa, de crianças sendo mais agredidas”.

Segundo o pediatra, um conceito que a sociedade precisa entender é que violência para a criança é uma doença crônica, “porque ela tem uma história, tem exame clínico, laboratorial e de imagem, tem tratamento e encaminhamento”. O médico lembrou que o problema dessa doença, principalmente em sua parte crônica, é que ela vai se perpetuando em muitas famílias. O filho de um pai violento, se não morre em decorrência das agressões, acaba se tornando também violento. “Nessa família, a violência é uma coisa crônica, que vai se perpetuando enquanto não for interrompida”.

Muitas vezes, a criança é tirada dos pais e devolvida aos avós, que são os agressores iniciais do processo e aí começa tudo de novo, observou Gama. Ele assegurou que ninguém nasce violento. A criança vai, ao longo do sofrimento de vários tipos, se tornar um adulto violento e até um homicida. “Como pode não se tornar, como essa criança que faleceu”, disse o pediatra, referindo-se ao menino Henry Borel cuja mãe, Monique Medeiros, e o namorado dela, vereador Dr. Jairinho, foram presos, investigados pela morte da criança.

Marco Gama afirmou que não só o número de óbitos por maus-tratos é grande, mas também o de sequelados, envolvendo sequelas físicas, de retardo do desenvolvimento físico, psíquico, cognitivo. “Tem criança que não consegue ter bom nível de aprendizado devido à violência que sofreu. É um processo gigantesco que acontece todos os dias”.

Para ele, o caso do menino Henry Borel ganhou visibilidade pelo fato de ser de família de classe média. O pediatra lembrou, entretanto, que a violência acontece em todas as classes sociais, todas as etnias, todas as religiões, e os pais são de todos os níveis de escolaridade. “Todos são violentos”.