Corumbá (MS)- Como se não bastasse a completa falta de investimento habitacional ao longos dos últimos quatro anos em Corumbá, a Prefeitura Municipal conseguiu na justiça, uma ordem de reintegração de posse contra centenas de famílias que, sem ter onde morar, invadiram terrenos em situação de abandono do município para construção de barracos.
O pedido foi realizado pelo município à justiça que deferiu a petição no último dia 30 de junho dando ganho de causa ao poder executivo municipal e fixando prazo de 15 dias para que os ocupantes deixassem a área de propriedade do poder público municipal.
Na decisão, a justiça confere à prefeitura, autora da ação, autorização para recorrer [se necessário] à força policial para retirada dos invasores.
Esgotado o prazo definido pela justiça, estranhamente nenhuma atitude foi tomada por parte do município, parte interessada e que ingressou com o pedido judicial.
Com receio da repercussão negativa que o despejo de centenas de famílias sem-teto às vésperas da eleição pudesse causar, a prefeitura então tentou reverter a própria ação de reintegração que moveu contra as famílias, pedindo uma suspensão do prazo estipulado por 120 dias, o que foi imediatamente negado pela Justiça alegando a necessidade de se atentar para toda concessão deste tipo de benesses em período eleitoral.
“De outro lado, a pretensão ora externada, de suspensão da ordem judicial de reintegração possessória, com manutenção de particulares em terrenos públicos criminosamente invadidos para a posterior doação das referidas áreas, tangencia a prática de ilícito eleitoral já que burla a proibição contida no artigo 73, § 10º, da Lei 9.504/97.”, menciona um dos trechos da decisão proferida pela Juíza Luiza Sá Figueiredo
O Ministério Público também foi contra o pedido de suspensão por acreditar que se concedida, o ato poderia comprometer a eficácia jurisdicional, já que se trata de ação para reversão de uma injusta invasão criminosa como o próprio município defendeu em seu pedido inicial.
“O MINISTÉRIO PÚBLICO, por sua vez, manifestou-se contrário à pretensão suspensiva, apontando, dentre outros motivos, “que a referida medida [de suspensão] comprometerá a eficácia da prestação jurisdicional, especialmente em se tratando de ação na qual se postula a reversão da posse injusta e criminosa, no qual o transcurso do lapso temporal compromete a consecução de sua finalidade” (f. 168).”
A tentativa de reversão da ação proposta pelo próprio município, depois de uma longa explanação de razões que estabeleciam como irregulares as invasões, foram baseadas em afirmação de que seria necessário um maior tempo para avaliar ocupações que segundo o município, poderiam datar de mais de 10 anos.
O argumento não convenceu a juíza que se baseou nas próprias provas de ilegalidade da ocupação produzidas pelo município no início do processo, inclusive com as fotos dos barracos recém construídos no local que até então, e por muito tempo, não possuíam nenhuma habitação quer seja regular ou irregular.
“De fato, assiste razão ao MINISTÉRIO PÚBLICO. Com efeito, inviável a suspensão postulada pelo ente público municipal às f. 165-166. Em primeiro lugar, porque não convence a alegação de “levantamento de possíveis posses datas de mais de 10 anos”, pois contrária às provas constantes até então dos autos – fotografias dos locais objetos de reintegração, as quais retratam barracos e construções recém construídos. Em segundo lugar, suspender o andamento processual propiciará condições de retorno aos invasores, tal como observou o MINISTÉRIO PÚBLICO. Por último, porém não menos importante, deve-se atentar para toda concessão de benesses em período eleitoral”
Após julgado, a justiça manteve a decisão de reintegração de posse. Com isso, após pedido do município, centenas de famílias que já viviam na incerteza, podem ser despejadas a qualquer momento.
O que diz a prefeitura
Em contato com a prefeitura de Corumbá, uma nota emitida na semana passada foi repassada como resposta. Nela, o município, apesar de ter entrado com o pedido de reintegração, tenta se mostrar preocupado com a situação de vulnerabilidade em que as famílias que invadiram o local se encontram, e afirmou que o pedido de prazo não teria relação com o período eleitoral, mas sim com a pandemia do novo coronavírus.
“Após ser concedida a liminar para reintegração de posse, o Município solicitou prazo maior para evitar qualquer confronto com as pessoas que contraíram moradias precárias no local, de maneira que possibilitasse um estudo mais cauteloso e detalhado para sabermos se tem posse antiga, acima de dez anos, abarcada pela lei de regularização fundiária, nesse prazo de 120 dias. O Ministério Público pronunciou-se contrário e a Justiça não concedeu esse prazo de 120 dias”, descreve um trecho da nota.
Com o prazo expirado no último dia 29 de setembro, a prefeitura tenta ganhar tempo, para não ter que recorrer à força policial para desocupação da área, próximo do período eleitoral. A mesma nota informa que “houve uma desocupação parcial da área” e que iria comunicar isso à justiça junto com um pedido de reconsideração da liminar buscando um novo prazo, alegando um grave quadro da pandemia, embora a prefeitura tenha praticamente extinguido as medidas de combate à proliferação da Covid-19, com a liberação do funcionamento de bares, restaurantes, apresentações musicais e a redução do toque de recolher.
“Quando foi concedida a liminar, no final de junho, foi concedido prazo pra desocupação voluntária. Como não houve essa desocupação voluntária, na verdade houve desocupação parcial, vamos informar tal situação à Justiça, à Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos. Temos até terça-feira da próxima semana, dia 29 de setembro. Vamos passar essa informação e pedir uma reconsideração em relação ao prazo, explicando, que são pessoas em situação vulnerável e, principalmente, destacando que nós ainda estamos num quadro grave da pandemia da covid-19”
Famílias permanecem no local
Neste domingo (4), a reportagem do Folha MS esteve na área próximo aos conjuntos habitacionais Flamboyant e constatou a presença de famílias que, sem ter para onde ir, permanecem no local.
“Realmente algumas famílias depois de saber da liminar foram para casa de parentes, mas a grande maioria permanece e vai permanecer, afinal, não temos para onde ir”, contou Geraldo Rodrigues que vive junto da esposa e três filhos em um dos barracos de madeira.