Consciência Negra é marcada por avanços e alerta sobre racismo sistêmico
O dia da Consciência Negra, comemorado nesta quinta-feira, teve um balanço que combina reconhecimento de progressos e sinalização de problemas persistentes, afirmou o presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge Santos Rodrigues, em entrevista à Agência Brasil no dia em que se lembra a morte de Zumbi dos Palmares.
Rodrigues avaliou que houve avanços significativos nas últimas décadas, citando medidas que ampliaram a visibilidade e a participação da população negra na sociedade brasileira, mas ressaltou que essas conquistas não eliminam a desigualdade estrutural.
Entre os pontos comemorados pelo presidente estão a adoção de cotas raciais nas universidades e concursos públicos, a criação do Ministério da Igualdade Racial e a proteção de territórios quilombolas já demarcados, medidas que, na avaliação dele, demonstram resultados concretos das lutas do movimento negro.
Ao analisar a natureza do racismo no país, ele alertou para a continuidade da violência contra a população negra e para a sofisticação das práticas discriminatórias, “É um racismo sistêmico, um crime continuado, sofisticado e permanente. Ele vai encontrando fórmulas de evitar que o negro esteja vivo para usufruir dessas ações afirmativas, é o caso das chacinas no Rio, na Bahia ou em São Paulo, onde há mortandade da população negra”, conforme apontou o presidente da Fundação Palmares.
A Fundação, criada em 22 de agosto de 1988, tem entre suas atribuições a proteção da Serra da Barriga, local histórico do Quilombo dos Palmares, e a administração do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, dedicado à memória e à cultura afro brasileira. Rodrigues relatou intervenções recentes no sítio para melhorar a preservação, o acesso e as informações oferecidas a visitantes nacionais e estrangeiros.
O presidente também recordou um período sem celebrações oficiais no local, quando entre 2018 e 2022 a Serra da Barriga ficou sem atividades comemorativas do Dia da Consciência Negra, e ressaltou que a transformação da data em feriado nacional pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelas ministras Anielle Franco e Margareth Menezes abriu espaço para pautar a justiça e a igualdade de oportunidades.
Sobre a necessidade de reparações históricas, ele ressaltou o direito do povo negro a compensações por séculos de trabalho forçado e exclusão e afirmou que essas ações já ocorrem, ainda que “não na velocidade que meus antepassados sonharam”, conforme declarou.
Na contextualização histórica, Rodrigues citou a influência de lideranças intelectuais e ativistas que embasaram as conquistas atuais, como Abdias Nascimento e Lélia Gonzalez, apontando o papel deles na construção de um debate público sobre raça, gênero e classe no Brasil.
Do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, a secretária executiva Larissa Santiago destacou o maior entendimento social sobre a necessidade de enfrentar o racismo e a ampliação do debate público, atribuindo esse avanço sobretudo à consolidação de políticas educacionais e de inclusão. “A gente tem conseguido discutir sobre igualdade racial com mais clareza, capilaridade. Acho que as pessoas, hoje, entendem o que significa igualdade racial e conseguem discutir mais sobre esse tema, sobre racismo, enfrentamento a racismo”, afirmou a secretária executiva do CNPIR.
Segundo Larissa, a expansão das leis de cotas nas universidades e a adoção de reservas de vagas no serviço público ampliaram a presença de pessoas negras em cursos federais, técnicos e em corpos docentes, o que possibilita a transmissão de perspectivas sobre raça, classe e gênero nas salas de aula.
Apesar dos avanços, ela também sublinhou obstáculos práticos, em especial o atendimento à saúde e a garantia de segurança pública para toda a população negra espalhada pelo território nacional, “Eu imagino que, sendo a política de igualdade racial uma política transversal, a gente tem desafios nas diferentes áreas, nos diferentes espectros das políticas públicas. E saúde e segurança são duas políticas da maior importância para alcançar, na ponta, a nossa população”, afirmou Larissa Santiago.
O debate sobre memória e reparação inclui ainda o esforço de resgatar episódios e grupos excluídos da narrativa oficial, uma tarefa que, conforme Rodrigues, envolve mulheres, povos indígenas, a população negra, catadores e participantes de revoltas populares como as de Canudos e dos Malês, e que compõe a missão de edificar a memória do país.
O Dia da Consciência Negra, lembrado em 20 de novembro, foi celebrado pela Fundação Palmares como oportunidade de consolidar direitos e reforçar demandas por medidas estruturais contra a discriminação racial no Brasil, que reúne hoje uma população negra estimada em 113 milhões de pessoas e figura entre as maiores do mundo nessa composição demográfica.
