O sistema de pagamentos Pix, criado pelo Banco Central do Brasil, entrou no radar do governo dos Estados Unidos, que abriu uma investigação oficial contra práticas comerciais brasileiras supostamente consideradas desleais. A apuração foi anunciada na terça-feira (15) pelo representante de Comércio norte-americano, Jamieson Greer, no contexto da Seção 301 da Lei de Comércio de 1974 — instrumento usado para justificar sanções unilaterais.
Embora o relatório não mencione diretamente o nome “Pix”, há referência a “serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo”, o que inclui o sistema brasileiro. Segundo o texto, o Brasil “parece oferecer vantagens indevidas” a esses serviços, em detrimento da concorrência estrangeira.
Concorrência com WhatsApp Pay e big techs
Especialistas apontam que a motivação dos EUA pode estar ligada ao histórico de impedimentos regulatórios enfrentados pelo WhatsApp Pay, serviço de pagamentos do aplicativo pertencente à Meta, do empresário Mark Zuckerberg, aliado político de Trump.
Em 2020, o Banco Central e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) suspenderam a estreia do WhatsApp Pay no Brasil, uma semana após o anúncio da funcionalidade, alegando potenciais riscos à concorrência e à segurança do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).
Na avaliação da economista Cristina Helena Mello, da PUC-SP, a decisão foi adequada:
“O WhatsApp criou um mecanismo de transferência fora do sistema financeiro legal, sem integração com o SPB e sem a supervisão do Banco Central, o que é incompatível com a regulação brasileira.”
Pix como alternativa ao dólar
Além da disputa entre plataformas de pagamento, há um incômodo geopolítico. O Pix tem sido usado por brasileiros em transações internacionais, sobretudo em países como Paraguai e Panamá, onde comerciantes aceitam pagamentos diretamente via contas bancárias brasileiras. A prática evita a conversão cambial para o dólar, diminuindo sua demanda.
“Essa desintermediação prejudica o controle dos EUA sobre as transações internacionais e afeta a valorização do dólar”, analisa Cristina Helena.
Em 2024, o Pix movimentou R$ 26,4 trilhões, segundo o Banco Central, consolidando-se como o principal meio de pagamento do país.
Ameaça às operadoras de cartão
Outro fator de preocupação para empresas norte-americanas seria o lançamento previsto para setembro de 2025 do Pix Parcelado, funcionalidade que permitirá ao consumidor parcelar pagamentos diretamente no sistema, sem depender do cartão de crédito. O lojista continuará recebendo o valor integral, enquanto o banco financia as parcelas ao cliente.
Para a economista da PUC-SP, o avanço do Pix representa uma ameaça ao modelo tradicional de bandeiras internacionais de cartão de crédito, muitas delas com sede nos EUA.
“O Pix é ágil, seguro, inclusivo e mais barato. Beneficia pequenos empreendedores e trabalhadores informais, e promove a bancarização de populações antes excluídas do sistema financeiro.”
Contexto da guerra comercial
A investigação contra o Pix ocorre em meio à escalada da guerra comercial entre Brasil e Estados Unidos, liderada por Trump em seu segundo mandato. Na semana anterior, o presidente norte-americano anunciou a imposição de uma tarifa de 50% sobre todas as importações brasileiras, alegando “perseguição” ao ex-presidente Jair Bolsonaro e tratamento desigual a empresas norte-americanas.
O governo brasileiro reagiu com críticas, classificando a medida como uma “intromissão inaceitável” e uma tentativa de pressionar o Judiciário nacional. Por meio de decreto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva regulamentou a Lei de Reciprocidade Comercial, autorizando a adoção de contramedidas.
📌 Entenda os pontos-chave da crise:
- Pix é citado em investigação comercial dos EUA como serviço com “vantagem indevida”;
- WhatsApp Pay teve atuação limitada no Brasil por decisão regulatória em 2020;
- Sistema brasileiro se tornou alternativa ao dólar em transações internacionais;
- Lançamento do Pix Parcelado em 2025 pode ameaçar o setor de cartões de crédito;
- Medida faz parte da nova guerra comercial de Trump, com tarifas de até 50% contra o Brasil.