Dois estudos conduzidos por pesquisadores do Centro de Inovação Teranóstica em Câncer (CancerThera) apontam que a composição corporal— em especial a quantidade de gordura e de massa muscular — pode influenciar a sobrevida de pacientes com câncer de cabeça e pescoço. As pesquisas, apoiadas pela FAPESP e conduzidas na Unicamp, foram publicadas em revistas internacionais de nutrição e oncologia clínica.
O câncer de cabeça e pescoço reúne tumores que se desenvolvem em várias regiões, como boca, língua, faringe e laringe. Conforme dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), os tumores da cavidade oral estão entre os mais frequentes no Brasil, predominando em homens acima dos 40 anos. Segundo informações da equipe do CancerThera, esses pacientes estão entre os mais afetados pela desnutrição, porque a doença compromete mastigação e deglutição, dificultando a ingestão de alimentos.
Em nota da pesquisa, a nutricionista Maria Carolina Santos Mendes, coorientadora dos trabalhos, observa que o estado nutricional é um fator de alto risco nesses casos. “O paciente com câncer de cabeça e pescoço é um dos que mais ficam desnutridos”, afirmou Mendes, ao explicar a importância de identificar reservas corporais desde o diagnóstico.
Achados em câncer localmente avançado
O primeiro estudo, publicado em março na Frontiers in Nutrition, avaliou 132 pacientes com câncer de cabeça e pescoço localmente avançado. De acordo com os autores, foram usadas imagens de tomografia computadorizada no nível da terceira vértebra cervical, C3, para estimar o índice total de tecido adiposo e a massa muscular.
Os resultados mostraram associação entre maior adiposidade e menor risco de mortalidade. Pacientes com níveis mais altos de tecido adiposo apresentaram mediana de sobrevida global de 27,9 meses, enquanto aqueles com baixos índices tiveram mediana de 13,9 meses. A preservação da massa muscular também se mostrou protetora: indivíduos com maior musculatura tiveram mediana de sobrevida de 22,9 meses, contra 8,6 meses entre os de baixa muscularidade.
Segundo os autores, esses dados chamam atenção para a avaliação do tecido adiposo, além da tradicional mensuração da musculatura, e para a possibilidade de intervenções nutricionais precoces quando se identifica baixa reserva corporal.
Impacto na doença metastática e recorrente
O segundo trabalho, publicado em agosto na Clinical Nutrition ESPEN, analisou 101 pacientes com câncer de cabeça e pescoço metastático ou recorrente atendidos no Hospital de Clínicas da Unicamp. Mais uma vez, a tomografia de C3 foi utilizada para mapear tecido adiposo e muscular.
De acordo com o artigo, a baixa muscularidade esteve fortemente associada a piores desfechos clínicos. Todos os indivíduos com baixa massa muscular morreram em até 24 meses de seguimento, enquanto alguns pacientes com maior muscularidade permaneciam vivos após 40 meses. Esses achados reforçam o papel da massa muscular como determinante da sobrevida em pacientes com câncer de cabeça e pescoço.
Implicações para o cuidado clínico
Os autores, orientados por José Barreto Campello Carvalheira, destacam que a avaliação da composição corporal pode ser incorporada à prática clínica, já que tomografias cervicais fazem parte da rotina diagnóstica desses pacientes. Segundo Mendes, o diferencial das pesquisas foi incluir também o tecido adiposo, não apenas a musculatura, e investigar como a adiposidade pode atuar no prognóstico.
“Se eu identifico logo no diagnóstico que o paciente tem baixa reserva de gordura, posso intervir de forma mais específica e talvez aumentar sua sobrevida”, disse Mendes, apontando para a relevância da terapia nutricional precoce. Os estudos, segundo os pesquisadores, abrem perguntas sobre o impacto do metabolismo do tecido adiposo no prognóstico e sobre a possibilidade de melhorar resultados com suporte nutricional.
O artigo Adipose tissue characteristics as a new prognosis marker of patients with locally advanced head and neck cancer pode ser lido em: frontiersin.org/journals/nutrition/articles/10.3389/fnut.2025.1472634.
O artigo Prognostic impact of low muscularity in metastatic and recurrent head and neck cancer: insights from C3-based assessments pode ser lido em: clinicalnutritionespen.com/article/S2405-4577(25)00375-4.

