Análise da deformação miocárdica por GLS identifica pacientes com maior probabilidade de complicações na cardiomiopatia chagásica
Um exame de imagem relativamente simples, capaz de medir a deformação do músculo cardíaco durante a contração, surge como marcador promissor para prever desfechos na doença de chagas.
Segundo informações da Agência FAPESP, um estudo conduzido pela Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, em parceria com pesquisadores da Duke University e da Yale University, mostrou que o índice global longitudinal strain, conhecido pela sigla GLS, é um preditor sensível e independente do risco de óbito e de outras complicações em pacientes com cardiomiopatia chagásica crônica, trabalho publicado na revista PLOS Neglected Tropical Diseases.
No estudo, apoiado pela FAPESP, foram avaliados exames de ecocardiografia de 77 pacientes com cardiopatia chagásica crônica, acompanhados por cerca de três anos. Os participantes foram agrupados conforme os valores de GLS, e os desfechos considerados incluíram morte, internações, taquicardia ventricular sustentada, novos casos de insuficiência cardíaca e eventos cardioembólicos.
De acordo com os dados divulgados pelos pesquisadores, pacientes com GLS maior ou igual a -13,8%, ou seja, com deformação mais comprometida, apresentaram prognóstico pior, e o GLS manteve-se como preditor independente mesmo após ajustes por idade, sexo e fração de ejeção do ventrículo esquerdo.
Como funciona a técnica
A técnica de Strain é um método avançado de ecocardiografia que mensura o GLS por meio do rastreamento de pontos de brilho na imagem, conhecido como speckle tracking. Com isso, é possível avaliar se o miocárdio está deformando adequadamente durante a sístole, detectando alterações funcionais antes que elas se manifestem como cicatrizes visíveis por imagem.

Sobre o significado clínico dessa alteração na deformação, a professora Minna Moreira Dias Romano, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, afirma, “Quando o miocárdio não está deformando bem, isso sugere que haja fibrose no tecido. Portanto, embora o GLS não visualize diretamente a fibrose no tecido cardíaco, ele prediz sua presença entre as células musculares do coração [miócitos], o que sinaliza risco elevado de complicações futuras”.
Resultados do estudo e comparações com métodos existentes
Segundo o estudo publicado na PLOS Neglected Tropical Diseases, a capacidade do GLS de prever desfechos permaneceu estatisticamente significativa após correções por variáveis clínicas, ressaltando o potencial do método na estratificação de risco na doença de chagas. Os autores destacam que o GLS já é utilizado em outras cardiopatias, por exemplo no monitoramento de pacientes oncológicos submetidos a quimioterapia.
Na prática, existe um escore já validado para prever prognóstico em pacientes com cardiopatia por Chagas, o escore Rassi, que avalia seis variáveis. Conforme explicado pelos pesquisadores, “Ele já foi validado, mas ainda deixa uma margem de risco entre os casos intermediários”, ou seja, situações em que a condição não se classifica claramente como de alto ou baixo risco. O estudo sugere que o GLS pode acrescentar sensibilidade na identificação desses pacientes de risco intermediário.
Vantagens e limites para a aplicação em larga escala
Para detectar fibrose miocárdica, a ressonância cardíaca com contraste por gadolínio é o padrão mais preciso, porém, segundo informações divulgadas, trata-se de um exame caro, de menor disponibilidade e que pode causar desconforto em pacientes com claustrofobia. Em contraste, a ecocardiografia com avaliação do GLS é mais barata, pode ser repetida diversas vezes e aplicada em larga escala, o que a torna atraente para locais com diagnóstico pouco realizado da doença de chagas. Conforme a pesquisadora, “Essa técnica já é utilizada em diversas outras cardiopatias, tais como em pacientes oncológicos para monitorar agressões ao coração causadas por quimioterapia, como em casos de câncer de mama”.
Ao mesmo tempo, os autores reconhecem desafios para a implementação ampla do GLS. “A técnica é mais complexa do que exames laboratoriais convencionais, como dosagens bioquímicas. Ainda assim, representa um avanço relevante na estratificação de risco e no acompanhamento da evolução da cardiopatia chagásica crônica, oferecendo aos profissionais de saúde uma ferramenta poderosa para decisões clínicas mais precisas”, comentou Romano. Em nota, os pesquisadores ressaltam a necessidade de conhecimento técnico e interpretação especializada para a difusão do método.
O artigo Global longitudinal strain as a predictor of outcomes in chronic Chagas’ cardiomyopathy pode ser lido na revista PLOS Neglected Tropical Diseases.

