A sucessão de atropelamentos de onças-pintadas no trecho da BR-262 que corta o Pantanal sul-mato-grossense volta a evidenciar um cenário crítico e negligenciado. Com oito mortes registradas em apenas 18 meses, a rodovia federal entre Miranda e Corumbá se consolidou como um dos corredores rodoviários mais letais para a fauna silvestre brasileira.
A ausência de medidas efetivas persiste mesmo após o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) ter aprovado, ainda em novembro de 2024, um Plano de Mitigação de Atropelamentos de Fauna, fruto da pressão de entidades ambientais. A proposta incluía instalação de passagens subterrâneas, cercas direcionadoras e nova sinalização, mas nenhuma das ações saiu do papel até agora — nove meses após a aprovação oficial.
Para o Instituto SOS Pantanal, a situação revela um padrão de descaso. Desde 2016, a instituição acompanha os dados de atropelamentos e denuncia a escalada no número de vítimas, que já chega a 21 onças-pintadas mortas no trecho, além de incontáveis outros animais — de tamanduás e jacarés a tatus e aves. Entre 2017 e 2020, um levantamento apontou mais de 6.600 animais silvestres atropelados, o que dá uma média superior a 180 mortes por mês.
“O diagnóstico está feito. Os dados são públicos. O que falta é ação. A cada animal morto, perdemos um pedaço do Pantanal”, afirma Leonardo Gomes, diretor executivo do Instituto. Ele critica a lentidão do poder público mesmo diante de um problema já escancarado. “Levamos a pauta a Brasília, falamos com o DNIT, mobilizamos a sociedade, mas seguimos sem resposta concreta.”
Desde 2024, o SOS Pantanal integra a coalizão Observatório Rodovias Seguras Para Todos, que reúne organizações da sociedade civil com o objetivo de reduzir atropelamentos de fauna e também proteger a vida humana em rodovias de risco. Para os integrantes do grupo, rodovias mais seguras para animais também são mais seguras para motoristas.

Embora a comoção com a morte de uma onça seja maior por conta do peso simbólico da espécie — ameaçada de extinção e ícone da biodiversidade brasileira —, o impacto vai muito além. Segundo Gomes, cada grande animal perdido representa “centenas de mortes silenciosas” de espécies menores que sustentam o equilíbrio ecológico do Pantanal.
O Instituto destaca ainda que o problema ultrapassa a questão ambiental: o turismo, a cultura local e até a economia regional ficam ameaçados com o empobrecimento da fauna. “Proteger a vida silvestre é proteger toda a cadeia de valor do Pantanal”, conclui Gomes.