Após duas décadas de convivência com Lilica, um papagaio-verdadeiro criado desde filhote em Campo Grande, uma aposentada de 67 anos acionou a Justiça com o objetivo de manter a guarda do animal ao se mudar para São Luís (MA). O receio da família é que o pet seja apreendido durante o transporte interestadual.
O pedido foi formalizado no último dia 15, em processo que também envolve o Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), responsável pela fiscalização da fauna silvestre no estado.
Segundo reportagem do Campo Grande News, o filho da aposentada, advogado e autor da petição, a mudança para o Maranhão motivou a medida judicial. O profissional já se encontra na nova cidade e relatou que, dentro de um mês, a mãe e os demais animais da casa devem seguir viagem. Lilica, segundo ele, será transportada por carro ou avião — o meio ainda não foi definido.
Lilica chegou à família em 2005, quando ainda era filhote. De acordo com o relato no processo, o advogado — à época com 17 anos — e um primo encontraram o animal no telhado de um lava-jato. Levado inicialmente para outra casa, o papagaio acabou ficando sob os cuidados da mãe do jovem, onde permanece até hoje.

“O papagaio ‘Lilica’ tornou-se parte integrante do núcleo familiar, respondendo ao seu nome, demonstrando reconhecimento e afeto pelos cuidadores, e apresentando comportamentos que evidenciam sua plena adaptação ao ambiente doméstico”, diz trecho da ação.
A petição também se baseia em laudo assinado por médica veterinária que acompanha o animal. Segundo o documento, Lilica apresenta forte vínculo afetivo com os tutores e não tem condições físicas ou comportamentais para ser reinserida na natureza. Entre os riscos citados está desorientação, estresse, desnutrição e alta vulnerabilidade a predadores.
Ainda conforme o processo, a tentativa de regularizar a guarda do papagaio foi iniciada por vias administrativas, mas a lentidão nos trâmites forçou a busca por uma decisão judicial. A família também argumenta que a Lei 9.605/98, embora determine a devolução de animais silvestres à natureza, permite exceções quando há impedimentos técnicos ou riscos à vida do animal.
Na argumentação jurídica, o advogado anexou jurisprudência do STJ e embasou a petição em normativas do Ibama e do Conama. Um caso recente, julgado pela Justiça Federal em São Carlos (SP), também foi citado. Na ocasião, uma mulher com TEA (transtorno do espectro autista) conseguiu a guarda definitiva de um papagaio-verdadeiro com base em laudos e provas testemunhais que demonstravam laços afetivos e dependência do animal com a tutora.
A juíza Gabriela Müller Junqueira, responsável por analisar o pedido, reconheceu que a 8ª Vara Cível não tem competência legal para julgar ações que envolvam autarquias estaduais, como o Imasul. Por esse motivo, a magistrada declinou competência em favor de uma das Varas de Fazenda Pública.
O papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva), espécie de Lilica, não consta na lista de animais ameaçados de extinção, mas figura entre as principais vítimas do tráfico de fauna silvestre no país. Conforme a Fundação Jardim Zoológico de Brasília, a espécie pode chegar a 37 centímetros, pesar até 400 gramas, levar cinco anos para atingir a maturidade e viver até 70 anos.
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