A onça-pintada capturada no Pantanal, após atacar e matar um trabalhador rural de 60 anos, dificilmente será devolvida à natureza. A decisão reacendeu o debate sobre até que ponto é justificável retirar um animal silvestre de seu habitat quando ele age por instinto. Questionamentos nas redes sociais criticam a captura, alegando que o felino apenas reagiu de forma natural em seu território.
Captura preventiva é protocolo em casos de ataque a humanos
Segundo o biólogo Henrique Abrahão Charles, a medida tem como objetivo proteger tanto as pessoas quanto o próprio animal. “Se uma onça comeu uma pessoa e achou fácil, provavelmente ela pode voltar e atacar outra. Para evitar esse tipo de situação, as autoridades precisam agir quando um grande predador ataca uma pessoa”, explicou.
Vídeo mostra momento da captura da onça-pintada
Em entrevista concedida ao Portal Primeira Página, Charles destaca que, diante de casos de grande repercussão, como o ocorrido no Pantanal, há risco de retaliações por parte da população local.
“Quando a autoridade não age, a população pode acabar exterminando um número significativo de bichos”, alertou. A retirada da onça, nesse cenário, é uma estratégia para conter o risco de novos ataques e evitar a caça ilegal, que poderia atingir outros animais da região.

O procedimento adotado no Brasil não é isolado. Conforme o biólogo, países com grandes predadores, como crocodilos e ursos, também recorrem à remoção ou, em alguns casos, ao abate imediato após ataques a humanos.
A ceva e o risco do estímulo ao conflito
Outro fator importante na explicação do biólogo é o possível estímulo à presença da onça por meio da “ceva” — prática ilegal que consiste em atrair animais com restos de alimentos. Ele aponta que o felino capturado já circulava há meses pela área onde ocorreu o ataque, possivelmente atraído por restos de peixe deixados por turistas em pesqueiros.
“Ela já entendia aquele território como seu, com comida fácil e disponível. E não só ela — possivelmente havia outras onças por ali também”, relatou Charles, com base em registros de câmeras na região. A ceva, embora proibida, ainda é uma prática comum em áreas do Pantanal, agravando os efeitos da perda de habitat causada pelo desmatamento.
Animal não deve voltar ao habitat natural
A onça capturada foi sedada por agentes da Polícia Militar Ambiental e levada ao Centro de Reabilitação de Animais Silvestres, em Campo Grande. Segundo Charles, é improvável que o animal retorne ao ambiente selvagem.
“Ela pode ser enviada a um zoológico ou a um programa de reprodução. Reintroduzir onças na natureza é muito complicado. Elas são territorialistas, e ao serem soltas em áreas desconhecidas, podem acabar condenadas, perambulando sem rumo ou invadindo territórios de outras onças”, explicou.
Casos de ataques são raros, mas geram comoção
Apesar da gravidade do episódio, o biólogo reforça que ataques de onças-pintadas a humanos são extremamente raros. Em geral, ocorrem quando o animal está doente, velho ou ferido, e vê o ser humano como última alternativa de alimentação.
“Entre os felinos, a onça é a que menos ataca pessoas. Mas, quando o faz, é extremamente eficiente”, ressaltou. Ele lembra que a espécie não costuma enxergar humanos como presas, o que torna situações como a registrada no Pantanal incomuns.
O caso ganhou repercussão nacional após a confirmação do ataque ocorrido na segunda-feira (21). O trabalhador Jorge foi surpreendido enquanto estava sozinho na propriedade onde morava. Partes de seu corpo foram encontradas pelo cunhado que seguiu uma trilha utilizada por animais na região.
Durante as buscas, a onça ainda tentou atacar um dos homens que integravam a equipe de resgate. O animal foi capturado na madrugada desta quinta-feira (24).