O governo federal prepara resolução para frear o desmatamento no Pantanal, derrubando legislação considerada permissiva em Mato Grosso do Sul, que detém 64,5% do território da maior planície alagável do mundo.
Uma prévia do documento já está disponível no site do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e será debatida na próxima segunda-feira (dia 14), durante reunião virtual do Cipam (Comitê de Integração de Políticas Ambientais).
A resolução traz critérios técnicos e científicos para fundamentação de exploração dos recursos naturais do bioma Pantanal. A medida é amparada na Constituição Federal (o Pantanal é patrimônio nacional e precisa ser utilizando condições que assegurem a preservação do meio ambiente), no Código Florestal (Lei Federal 12.651/2012) e em recente nota técnica do MMA (Ministério do Meio Ambiente), a 762/2023.
Conforme a nota técnica, autorizações de supressão de vegetação nativa no Pantanal estão sendo emitidas e executadas com base em normativas estaduais que não respeitam estudos científicos atualizados e consentâneos com parâmetros ecológicos e ecossistêmicos que garantam a integridade do bioma exigida nas normas constitucionais e legais.
Foram analisadas legislações de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Estados vizinhos e que compartilham o Pantanal. O SOS Pantanal e a Abrampa (Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente) apresentaram documentos informando sobre a permissividade das normas estaduais ao desbaste de árvores e arbustos para limpeza de pastos, assim como da supressão da vegetação nativa e a drenagem de áreas úmidas.
As consequências citadas são degradação ambiental, alteração do pulso de inundação, erosão e assoreamento de corpos de água, desmatamento e queimadas da vegetação nativa no Pantanal e de áreas mananciais do bioma.
No caso de Mato Grosso do Sul, foram mencionadas duas normativas estaduais que afetam negativamente as áreas úmidas no Pantanal: o Decreto Estadual 14.273, publicado em 2015 e que dispõe sobre a Área de Uso Restrito da planície inundável do Pantanal; e a resolução da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, que dispensa licenciamento para atividades agropecuárias, inclusive atividades de monocultura. Essa última violaria legislação federal e entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal).
Segundo a nota técnica do ministério, um documento de referência para o Decreto 4.273/2015 é o relatório do CEPEA-ESALQ/USP (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo), que foi financiado pela Famasul (Federação de Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul) e onde o principal critério utilizado foi a viabilidade econômica dos imóveis rurais no Pantanal para a adoção de pastagens cultivadas.
A Embrapa também apresentou estudo técnico, mas o decreto sobre área passível de desmatamento se aproximou mais do relatório pago pela Famasul. Além disso, a normativa não provê proteção às áreas mananciais no planalto da Bacia do Alto Paraguai
Segundo o Núcleo de Geotecnologias do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), no período de 2009 a 2015, a média anual de supressão foi de 29 mil hectares/ano, já no período de 2016 a 2021, foi de 54 mil hectares/ano.
A análise destaca que as licenças para supressão vegetal não são disponibilizadas no portal do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul). “Entretanto, pode-se afirmar que foram mais de 400 mil hectares licenciados no Pantanal de Mato Grosso do Sul desde 2016 baseados no Decreto 14.273/2015, que não tem base ou sustentação legal e científica”, detalha o documento.
União descartou “sensibilizar” MS
Com esse cenário, foram traçadas três possibilidade pelo Governo Federal para aprimorar a regulação sobre a exploração ecologicamente sustentável do bioma.
A primeira é uma articulação federativa de ordem mais política com os governos de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, de modo a sensibilizá-los para a importância da revisão de suas normas estaduais. A alternativa precisava considerar, também, uma avaliação das medidas jurídicas cabíveis a serem eventualmente tomadas para sustar as normativas estaduais que continuam produzindo impactos negativos sobre o bioma Pantanal.
“Assim, as outras duas possibilidades de intervenção seriam a elaboração e publicação de resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente, de modo a estabelecer parâmetros para a exploração ecologicamente sustentável, ou a revisão da legislação dos estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul a partir da efetiva consideração das recomendações técnicas dos órgãos oficiais de pesquisa.”
A escolha foi pela resolução. Se admitida pelo Cipam, a proposta de resolução será encaminhada à Câmara Técnica de Biodiversidade, Áreas Protegidas, Florestas e Educação Ambiental.
Nesta câmara, deverá ser definida uma pauta e cronograma de trabalho para discussão da minuta de resolução, mas contemplando a realização de debates com a participação de pesquisadores de instituições oficiais de pesquisa e especialistas no Pantanal.
As próximas etapas são a Secretaria-Executiva do Conama, consultoria jurídica do Ministério do Meio Ambiente e deliberação em plenário do conselho. Se aprovada, a resolução é publicada no Diário Oficial da União.
Minuta da portaria
O documento prevê que a supressão de vegetação nativa ou uso alternativo do solo no Pantanal devem considerar estudos científicos conclusivos que abordem os seguintes aspectos relativos à integridade ecológica e ecossistêmica no bioma.
Verde x economia – O Pantanal é o menor dos seis biomas brasileiros, ocupando uma área de 150.988 km², dos quais 64,5% ficam em Mato Grosso do Sul e 35,5% em Mato Grosso. No entanto, ainda que represente apenas 1,8% do território nacional, o Pantanal constitui a maior área úmida contínua do mundo.
Atualmente, a base da economia do Pantanal é a criação extensiva de gado para corte, uma vez que a agricultura é pouco recomendada, devido principalmente às enchentes periódicas e aos solos pouco férteis.
Entretanto, a expansão desordenada das atividades agropecuárias, em especial nos planaltos da Bacia do Alto Paraguai, tem contribuído para a degradação dos ambientes pantaneiros, bem como para a intensificação da erosão laminar, o assoreamento dos rios, e a perda da fauna e flora regionais.
A reportagem entrou em contato com o Imasul para questionar a possibilidade de revisão das normativas estaduais e dados de desmatamento, mas não obteve resposta até a publicação da matéria.
Na semana passada, diante de críticas, o Imasul divulgou dados diferentes, apontando que entre 15 de agosto de 2019 e 14 de abril de 2023, o instituto autorizou que fossem realizadas intervenções em 194 mil hectares de vegetação em propriedades pantaneiras. Isso corresponderia a 2,16% da área do bioma, totalizando 275 processos. Conforme as informações do Imasul, 3 autorizações foram canceladas.