Nota da Sociedade de Arqueologia Brasileira em defesa dos direitos dos povos indígenas e contra o PL 490 e a tese do marco temporal

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  • Post publicado:5 de junho de 2023
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nota sab

A Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), associação civil de caráter científico que congrega especialistas dedicadas/os ao ensino, à pesquisa e à prática da arqueologia e áreas afins no Brasil, coerente com posições anteriormente divulgadas em defesa da democracia, dos direitos humanos, do patrimônio cultural e da preservação da biodiversidade, vem a público manifestar apoio aos povos indígenas e registrar posição contrária ao Projeto de Lei n. 490 (PL 490), de 20 de Março de 2007, e à tese inconstitucional do marco temporal, haja vista o seguinte entendimento:

  1. que a história dos povos indígenas não tem início em 5 de Outubro de 1988, data relativa à promulgação da Constituição Federal, mas em temporalidades que recuam a mais de 12.000 anos nas Américas;
  2. que os povos indígenas possuem direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, conforme determina o Art. 231 da Carta Constitucional;
  3. que na data de 5 de Outubro de 1988, quando passou a vigorar a Lei Maior, diversas comunidades indígenas não tinham a posse das terras tradicionalmente ocupadas porque delas foram forçosamente removidas e, até então, não tinham a quem recorrer em defesa de seus direitos territoriais junto ao Estado Brasileiro;
  4. que a formação de muitas propriedades privadas sobre terras públicas ou devolutas, tituladas a partir de 18 de Setembro de 1850, incide sobre terras tradicionalmente ocupadas e não obedece, pois, o que determina a Lei n. 601, aprovada naquela data e conhecida como Lei de Terras, situação esta também verificada em temporalidades mais recentes, conforme atesta o Relatório Figueiredo, produzido em 1967 pelo procurador Jader de Figueiredo Correia a pedido do Ministério do Interior, e diversos estudos científicos publicados nas últimas décadas;
  5. que o processo administrativo de identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas, que faz parte do processo de regularização das terras tradicionalmente ocupadas, é feito com base na legislação brasileira e por meio de relatórios técnico-científicos produzidos por grupos de trabalho constituídos pelo órgão indigenista oficial, não cabendo, portanto, ao Poder Legislativo atribuir para si a tarefa dada suas idiossincrasias;
  6. que a aprovação do PL 490, feita na Câmara Federal em 30 de Maio de 2023, busca legalizar a propriedade ilícita de terras tradicionalmente ocupadas, coloca em risco à preservação da biodiversidade, fragiliza o Estado Democrático de Direito, promove insegurança jurídica e ameaça a sobrevivência de muitos povos indígenas.

Prestados os necessários esclarecimentos, a SAB ratifica o apoio incondicional à garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas e à defesa do Estado Democrático de Direito, e manifesta posição contrária à tese inconstitucional do marco temporal e ao PL 490.

Porto Alegre, 5 de junho de 2023.

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