O Ministério da Fazenda trabalha para começar a taxar o setor de sites de apostas esportivas, que movimenta bilhões e atualmente é isento de qualquer tipo de taxação em solo brasileiro. O mercado de “bettings”, como são chamadas, foi legalizado em 2018 por meio de um decreto assinado pelo então presidente Michel Temer (PMDB-SP). No entanto, quase cinco anos depois, ainda não tem as atividades regulamentadas.
As apostas on-line de jogos esportivos permitem que usuários realizem apostas em times de futebol do interior até equipes de basquete internacionais. O setor vive um boom de crescimento e passou a patrocinar quase todos os principais times de futebol, masculinos e femininos. A estimativa do portal BNL Data, especializado no mercado de jogos, é que esse mercado fature R$ 12 bilhões em 2023, um aumento de 71% ante os ganhos de 2020, que foram de R$ 7 bilhões.
A lei em vigor prevê apenas que os aplicativos podem atuar no país desde que sejam sediados no exterior, não tenham pontos de venda físicos e operem em domínios de internet internacionais. A nova regulamentação exigirá que as empresas sejam sediadas no Brasil – já que hoje encontram-se fora do país -, aprimorando a fiscalização, a arrecadação e a interlocução com os agentes que atuam no setor.
A taxação deve ser implementada por meio de medida provisória no próximo mês. O governo ainda não informou qual tipo de tributação será implementado e quais serão as alíquotas, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já adiantou que deve vir por meio de contribuição e não de tributo. Espera-se que a taxação seja aplicada sobre o lucro bruto das empresas e licenças para que possam operar. Os jogadores também teriam os ganhos tributados no Imposto de Renda, mas a pasta não decidiu qual será a faixa de isenção nem o percentual que será cobrado sobre os prêmios.
O economista Rica Mello lembrou que o Brasil é um dos poucos países que não taxa as apostas on-line.
“Esse mercado é taxado em muitos outros países e tem espaço aqui para existir essa taxação. Jogos que são organizados pelo governo pelas loterias, como mega-sena e lotofácil, todos pagam um percentual próximo de 30% quando o apostador ganha, e esse é um valor importante de arrecadação do governo. Tanto é que tem se discutido que a taxação das apostas on-line podem significar até R$ 8 bilhões de arrecadação no ano”, afirmou.
A intenção do ministério com a taxação é justamente ampliar a arrecadação, para compensar perdas com as mudanças anunciadas na tabela do Imposto de Renda. “Esse imposto provavelmente deve ser algo entre 10% e 20% do valor do prêmio do apostador e, claro, existe o perigo de que os apostadores façam suas apostas em empresas de fora do Brasil, porque alguns outros países não cobram os impostos”, avaliou Mello.
Apoio do setor
Ao contrário do esperado, a notícia foi bem recebida no setor de jogos, que há décadas tenta legalizar e ampliar o mercado privado de apostas no país. Isso porque a taxação virá junto com a regulamentação do serviço, o que trará mais segurança jurídica e potencial de negócios.
Com a regulamentação aprovada, a expectativa apresentada por analistas é que o setor tenha ganhos em arrecadação de cerca de R$ 20 bilhões em receitas anuais, com geração de R$ 700 milhões anualmente ao Tesouro Nacional.
Segundo o empresário e trader esportivo Antônio Mandarrari, CEO da casa de apostas Lance 365, a discussão que envolve o assunto se prolongou durante alguns anos, desde o fechamento de casas de bingos, durante o primeiro mandato do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com uma legislação para o segmento, ele acredita que as apostas terão transparência.
“Diante do atual cenário econômico vivido pelo nosso Brasil, um ponto muito importante nesta discussão sobre a regulamentação é que a atividade passará a ter arrecadação convencional pelos impostos e contribuirá com a oferta de postos de trabalho, impactando diretamente com o avanço de nossa economia”, explicou o empresário.
“Grande parte da sociedade não possui o conhecimento do jeito que está o setor, as empresas estão autorizadas a operar no país, porém, por não ser uma atividade regulamentada, todas estão sediadas no exterior, sendo que os encargos tributários não são recolhidos pelo governo brasileiro”, complementou Mandarrari.
As casas lotéricas também demonstraram interesse na regulamentação. O presidente da Federação Brasileira das Empresas Lotéricas (Febralot), Jodismar Amaro, afirmou que as loterias buscam por participação no segmento on-line. “Assim que sair a medida provisória, vamos entrar com um projeto para buscar participação, para que as casas lotéricas sejam inseridas e nós possamos fazer também esse tipo de serviço. São 13 mil casas lotéricas no Brasil, já temos a rede pronta e queremos ser inseridos de alguma maneira”, disse.
Segurança ao apostador
Diante das expectativas sobre a taxação, pessoas que aproveitam a renda extra para fazer uma “fezinha” estão de olho no que pode acontecer. Gabriel Rocha, 24, sacou todo o dinheiro que tinha em sites de apostas enquanto o imbróglio não se resolve, pois tem medo de dar algum problema e os usuários terem de pagar a conta. Desde meados do ano passado, o publicitário resolveu investir neste mercado.
Ele separou R$ 1.500, uma parte para apostar e outra para entrar em grupos que dão dicas em quais jogos investir. Até fevereiro, Gabriel já havia conseguido lucrar R$ 4 mil.
“O segredo é não arriscar muito. O pessoal que dá conselhos do que apostar conhece muito sobre o que faz, então geralmente misturo a orientação deles com o meu feeling e depois só fico na torcida”, disse o jovem.
Com a questão da regulamentação e da possível taxação, ele diz que pretende dar um tempo na jogatina, mas quer voltar no futuro.
“Foi um investimento que fiz e que deu certo. Obviamente posso sair no prejuízo quando apostar errado, mas faz parte. Agora vou esperar para ver o que acontece na justiça, porque tenho medo de congelarem minha carteira e eu não conseguir recuperar meu dinheiro. Espero que isso se resolva o quanto antes”, torce Gabriel.
Da forma que está a lei hoje, o apostador pagaria 30% sobre o resultado da aposta, o mesmo que um ganhador das loterias operadas pela Caixa. Segundo o advogado desportivo Luciano Andrade Pinheiro, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, se a regulamentação mantiver o percentual das loterias, o setor deve ser prejudicado. “Isso precisa mudar urgentemente. Se o governo mantiver esse percentual, os apostadores não terão estímulo para acessarem os sites regulares brasileiros e permanecerão apostando no exterior por meio da internet”, avaliou.
O estudante Arthur de Andrade, 22, já teve suas experiências no mercado de apostas e, ao contrário de Gabriel, não pensa em voltar. Ele começou no ramo de apostas por curiosidade.
“Via algumas pessoas ganhando muito dinheiro com apostas que pareciam óbvias, aí pensava que eu conseguiria também. Assim que fiquei com um dinheiro sobrando, separei uma parte e comecei a apostar”, contou o jovem, que começou a apostar com R$ 80 e chegou a lucrar quase R$ 2 mil.
Por ter ganhado muito dinheiro e em um curto espaço de tempo, o estudante acredita ter se prejudicado em outros fatores.
“Isso acabou subindo na minha mente. Perdi horas do meu dia pesquisando sobre o que apostar e acompanhando o resultado dos jogos. Por mais que eu achasse que estava consciente do que fazia e que aquilo era só um hobbi, no fundo se tornou um vício, queria sempre apostar e tentar ganhar mais com isso, cheguei a perder mil reais em um dia. Felizmente, pude perceber isso antes de perder algo importante para mim”, relatou.
O advogado Gerlio Figueiredo, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, destacou a importância da taxação, que deve trazer mais segurança para os apostadores.
“É importante, sim, fazer a taxação, essas empresas estão vindo de fora e faturando bilhões, e o único que não está levando nada com isso é o governo. Além disso, a regulação deve gerar mais segurança para os usuários. Milhares de brasileiros fazem essas apostas, mas não têm segurança por essas empresas, que não são licenciadas no país. Quando acontece qualquer tipo de problema, não há a quem recorrer”, disse.
De acordo com o especialista, com a regulamentação, os sites vão passar a funcionar de forma legal no Brasil,com CNPJ, sede, empregados, pagando imposto e gerando renda. “Sem a regulação, como é hoje, as empresas funcionam no exterior e operam aqui, sem gerar nenhum benefício direto ao país”, destacou Figueiredo.