As eleições deste ano serão lembradas por um fenômeno que se tornou mais grave e mais frequente: o assédio eleitoral. Nas últimas semanas, a quantidade de denúncias sobre pessoas sendo coagidas por empresas a cometer dois crimes — escolher um candidato por imposição e violar o sigilo do voto — aumentou de maneira vertiginosa. A explosão de episódios ocorreu, principalmente, após o primeiro turno — e não para de subir.
Somente de quarta para ontem, o Ministério Público do Trabalho (MPT) registrou elevação de 27,9% no número de casos — subiu de 706 queixas formais para 903. A quantidade supera a da campanha eleitoral de 2018, quando houve 212 denúncias contra empresas.
O Sudeste é a região que lidera o ranking de registros do MPT neste ano: 382 denúncias até o momento. Em seguida, aparecem as regiões Sul (261), Nordeste (140), Centro-Oeste (69) e Norte (51).
O estado com maior número de registros é Minas Gerais, com 254 casos. Já Roraima não teve nenhuma denúncia até agora.
O procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, explicou que o assédio se dá quando os empregadores pressionam ou de alguma forma criam vantagens para que os seus trabalhadores votem em um determinado candidato. “Não tem nenhuma ligação com a relação do trabalho o fato de o empregado votar em algum candidato diferente, por exemplo, do seu empregador”, destacou.
Lima assegurou que todos os casos estão sendo analisados pelo MPT. “O Estado brasileiro está preparado, está funcionando, através de todos os seus órgãos, seja Ministério Público, seja o Poder Judiciário. Então, o importante é a sociedade realmente denunciar”, orientou.
O procurador enfatizou que, “além do ilícito na relação do trabalho, essas práticas estão tachadas no código como crime, punível com reclusão, além de multa”. “Na realidade, são denúncias muito graves, que nós, como instituição, devemos com certeza investigar, ajuizar ações, executá-las para que a gente possa ter uma garantia de que não haja vício na relação de trabalho.”
Um dos exemplos da irregularidade é o do empresário Maurício Lopes Fernandes. Dono de cerâmicas em São Miguel do Guamá (PA), ele prometeu um bônus de R$ 200 para cada trabalhador no caso de vitória do presidente Jair Bolsonaro (PL) e ainda ameaçou fechar suas empresas se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Siva (PT) ganhar o pleito. A ação dele foi filmada.
Denunciado, Fernandes assinou um Termo de Ajuste de Conduta proposto pelo MP do Pará. Ele ainda foi multado em R$ 150 mil e terá de pagar bônus de R$ 2 mil para cada funcionário e assinar carteiras de trabalho dos empregados que estavam sem registro — fato que o próprio empresário expôs no vídeo.
Ainda segundo os termos do acordo, Fernandes teve de publicar um vídeo se retratando pela atitude e se comprometer a não voltar a constranger, ameaçar ou coagir funcionários a votar em qualquer candidato. O empresário ainda foi indiciado por crime eleitoral.
Celular no sutiã
Outro caso foi o do empresário gaúcho Adelar Eloi Lutz, do setor agropecuário, que afirmou ter coagido empregados a votarem em Bolsonaro no primeiro turno. Ele disse ter “botado para fora” duas funcionárias que teriam se recusado a seguir a determinação. No áudio, Lutz ordena aos funcionários a “darem um jeito” de filmar o voto e sugere às mulheres “colocar o celular no sutiã” para driblar a fiscalização dos mesários — uma vez que é proibido entrar na cabine de votação com o telefone.
Advogada especialista em direito do trabalho, Paula Borges explicou que qualquer ação do patrão ou gestor com o objetivo de influenciar o voto do funcionário pode ser considerada assédio eleitoral. Segundo ela, a intimidação pode acontecer até de maneira indireta, com pedidos menos explícitos de apoio. “No ambiente de trabalho, o patrão pode estar distribuindo kits de determinados candidatos, obrigar que o funcionário vista uma blusa, que fale um texto. Depende muito do contexto”, esclareceu.
A especialista orientou a quem estiver sendo vítima de assédio eleitoral que denuncie. “A denúncia pode ser feita pelo site do Ministério Público do Trabalho e também pelo aplicativo Pardal. O funcionário não precisa ter medo, pois as denúncias podem ser sigilosas”, assegurou.