No Amazonas, minas de potássio ficam em sua maioria fora das terras indígenas

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Dados sobre minas de potássio no Amazonas contrariam declarações de Jair Bolsonaro (PL); presidente defende aprovação de projeto de lei que libera a mineração em áreas demarcadas como forma de superar a dependência brasileira da Rússia no acesso a fertilizantes. Foto: Tiago Queiroz/ Estadão
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  • Post publicado:8 de março de 2022

BRASÍLIA – Levantamento feito pelo Estadão mostra que, no Amazonas, a maioria das principais minas de potássio, substância usada em fertilizantes para o agronegócio, está localizada fora de terras indígenas. Os dados contrariam declarações do presidente Jair Bolsonaro, que tem defendido a aprovação de projeto de lei que libera a mineração em áreas demarcadas como forma de superar a dependência brasileira da Rússia no acesso a fertilizantes.

Bolsonaro alega que os locais mais importantes para extração de potássio do Brasil estão bloqueados por estarem dentro de aldeias. “Como deputado, discursei sobre nossa dependência do potássio da Rússia. Citei três problemas: ambiental, indígena e a quem pertencia o direito exploratório na foz do Rio Madeira. Nosso Projeto de Lei 191 ‘permite a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas’. Uma vez aprovado, resolve-se um desses problemas”, disse o presidente na semana passada.

Para pressionar o Congresso, o líder do governo pediu então urgência na votação do projeto de lei. Ontem, Bolsonaro voltou a dizer que a guerra entre Rússia e Ucrânia trouxe uma “boa oportunidade” para o Brasil aprovar a exploração de terras indígenas.

Desde a foz do Rio Madeira, que deságua no Rio Amazonas, passando por municípios como Autazes, Nova Olinda do Norte e Borba, há dezenas de áreas, em diferentes etapas de pesquisa mineral, em nome da Petrobras e da companhia Potássio do Brasil, controlada pelo banco canadense Forbes & Manhattan. As duas empresas praticamente controlam os projetos de potássio na região, concentrando a maioria dos títulos minerários do insumo.

Esses dados fazem parte do levantamento feito pela reportagem nos registros de pedidos de pesquisa e lavra de potássio ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM). O Estadão também solicitou à Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM) que elaborasse um mapa com pedidos ativos ao longo da calha do Rio Madeira, no Amazonas, que concentra as maiores minas de potássio do Brasil. Foi feito cruzamento com a localização das terras indígenas da região.

O resultado mostra que não há sobreposição na imensa maioria dos casos, o que significa que não são as terras indígenas que impedem a exploração de potássio no País. O levantamento mostra que um pequeno número de blocos de exploração teria impacto direto em terras demarcadas, como ocorre na região de Nova Olinda do Norte, em áreas que estão em fase de pesquisa na região das terras indígenas Gavião, Jauary e Murutinga/Tracajá.

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Legislação

Presidente da ABPM, Luís Maurício Ferraiuoli Azevedo afirmou que a questão indígena não tem sido entrave aos projetos. “O que nós vemos são essas áreas de amortecimento no entorno das minas, não impacto direto. A prova está aí, nos dados. O que é preciso é que haja uma análise técnica de cada empreendimento, apenas isso”, disse ele.

Pelas regras do licenciamento ambiental, quando um empreendimento é instalado numa área próxima a terras indígenas e comunidades ribeirinhas, por exemplo, situações comuns ao longo do Rio Madeira, é preciso que o processo de autorização da obra contemple medidas para reduzir os impactos, já que são áreas que serão afetadas de alguma maneira pela exploração, com aumento de tráfego, poluição, ruídos etc. Para chegar a um acordo sobre compensações ambientais, realizam-se audiências públicas previamente à instalação do empreendimento. Isso não significa, portanto, que ele seja inviável. Basta que se cumpra a lei.

Apesar de boa parte do registro de exploração das reservas de potássio ser antiga, elas não são exploradas. Procurada, a Potássio do Brasil declarou que seu projeto na região de Autazes obteve licença prévia do governo estadual, mas que esta foi suspensa num acordo na Justiça Federal para que houvesse a consulta prévia ao povo indígena mura, que habita áreas a 8 quilômetros de distância do projeto. Trata-se de consulta obrigatória para busca de um acordo em relação ao impacto na região, mas não de inviabilidade do projeto, uma vez que não há sobreposição.

“Assim que a licença de instalação for obtida pela Potássio do Brasil, as obras de implantação do projeto serão iniciadas”, afirmou a empresa. “A Potássio do Brasil tem como princípio respeitar as normas ambientais e os direitos dos povos indígenas e tradicionais e reconhece a importância da consulta prévia, livre e informada ao povo mura.”

A reportagem questionou a Petrobras sobre as razões de a empresa manter dezenas de títulos minerários de potássio desde os anos 1970 na região, e quais as expectativas de exploração dessas áreas. Em nota, a companhia disse apenas que “mantém títulos de lavra e de pesquisa com potencial de potássio na Bacia do Amazonas” e que “estuda alternativas para os ativos, considerando sua estratégia de negócio”.

O presidente da ABPM critica o fato de a Petrobras ter títulos minerários, mas não explorá-los. “A Petrobras está parada há mais de uma década com essas áreas. O que nós vemos é que esse é um negócio pequeno demais para a empresa, que tem saído de poços maduros de petróleo e ido para o pré-sal. O potássio seria uma distração para a empresa. Então, se ela não quer, tem que vender”, disse Azevedo.

Em 2008, por pressão do Palácio do Planalto e da então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a Petrobras voltou atrás em um negócio estimado em US$ 150 milhões que previa a venda de parte de uma mina de potássio em Nova Olinda do Norte, para a empresa canadense Falcon, também controlada pelo banco Forbes & Manhattan. O negócio acabou sendo cancelado, e a Petrobras se viu obrigada a pagar uma multa para rescindir o acordo. À época, declarou que “a alta administração, por razões estratégicas, decidiu não prosseguir com a venda”.

Jazidas

O potássio é um elemento químico usado, majoritariamente, na agricultura, mas também tem aplicações na medicina e equipamentos de respiração, entre outras finalidades. O cloreto de potássio é formado na natureza, em lagos que estavam conectados ao mar há milhares de anos, e que secam. Na região de Autazes, esse lago existiu há cerca de 270 milhões de anos e, após secar, foi recoberto por outros sedimentos. Hoje, segundo a Potássio do Brasil, jazidas de sal de potássio no local estão localizadas a cerca de 800 metros de profundidade.

O Brasil adquire no exterior 85% do volume de fertilizantes aplicado anualmente nas lavouras. A Rússia é uma das principais exportadoras – em janeiro, respondeu por 30,1% do adubo que entrou em território nacional, segundo o Ministério da Economia. No ano passado, os russos foram responsáveis por 23,3% do fertilizante que chegou ao Brasil.