Em São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC) colocou diversas faixas, em pelo menos 14 cidades, ameaçando dar um “cacete” em motociclistas que façam barulho ou empinem motos em comunidades.
A Polícia Civil investiga os casos e tem indícios de que a maior parte das faixas foi colocada nas comunidades por membros da facção ou por ordem dos criminosos.
“O uso da força não poderia ser exercido por traficantes, milicianos ou qualquer outro grupo”, disse o advogado Ariel de Castro Alves, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais.
Segundo o advogado, os traficantes dominam comunidades que sofrem com a ausência do Estado na área social e policial e se fortalecem ajudando moradores. “Fazendo as ameaças ou sancionando os infratores, com uso de violência, o que é totalmente ilegal e proibido, gerando casos de lesões corporais, torturas e mortes.”
Vídeos e fotos dos cartazes e até de um motociclista apanhando por desrespeitar as regras impostas pela organização criminosa têm circulado nas redes sociais.
“Proibido tirar de giro e chamar no grau. Sujeito a cacete. Não vamos aceitar essas coisas na comunidade!”, informa uma das faixas encontradas no final de 2021 em Osasco, região metropolitana de São Paulo.
Mesmo havendo poucas diferenças entre as declarações encontradas nas faixas, a maioria das frases segue um padrão, com menção a:
- “Sujeito a cacete” – que é uma expressão popular que ameaça agredir alguém;
- “Tirar de giro” – quando um motociclista aperta a embreagem da moto até ela fazer um barulho alto, que incomoda moradores;
- “Chamar no grau” – empinar a moto, colocando em risco as vidas do piloto, de quem estiver na garupa e também de pedestres.
Há ilegalidades envolvendo tanto a atitude dos motociclistas quanto nas ameaças pregadas nas faixas: o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) proíbe quem faz barulho ou empina motos. Já as faixas e o vídeo do rapaz apanhando configuram, respectivamente, crimes de ameaça ou de lesão corporal previstos no Código Penal Brasileiro (CPB).
“Apesar de os motociclistas estarem cometendo infrações de trânsito, não cabe aos integrantes do PCC ameaçarem e agredirem essas pessoas para que elas sigam a lei. Se alguém comete um crime para impedir outro crime, então este alguém é criminoso”, disse um policial.
Um levantamento mostrou que os cartazes ameaçadores foram vistos na capital e em mais quatro cidades da Grande São Paulo, além de três municípios do interior e seis cidades no litoral paulista.
Ordem de facção
Segundo informações de fontes do Ministério Público, da Polícia Militar, da Polícia Civil e de moradores, as faixas foram espalhadas entre outubro e dezembro de 2021 por determinação do PCC. O Ministério Público monitora os casos.
Um dos promotores que integra o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP falou que o serviço de inteligência das forças de segurança rastreou um “salve”, como uma ordem da facção é chamada, para que fossem espalhados cartazes em favelas com novas regras para motociclistas que transitam pelos locais.
Ainda segundo a fonte da Promotoria, a determinação foi dada de dentro das unidades prisionais por lideranças da quadrilha que estão detidas. O recado determina que criminosos do PCC que estão soltos nas ruas pendurem as faixas.
“De fato essa foi uma determinação do PCC, sim, por dois motivos: um, para tentar uma aproximação com a comunidade que às vezes se socorre no chefe do tráfico para resolver seus problemas [ao] invés de procurar a polícia”, disse o promotor.
“E também para evitar que a polícia comece a ser acionada e atrase o movimento do tráfico naquelas comunidades”, falou o representante do MP.
“Nas outras comunidades está acontecendo isso [de o PCC colocar faixas]”, disse um líder comunitário de uma das maiores favelas de São Paulo e que pediu para não ser identificado.
De acordo com policiais civis e moradores, é possível que uma ou outra faixa até tenham sido penduradas por pessoas das próprias comunidades. Há, no entanto, indícios de que a maioria delas tenha sido colocada por ordem dos criminosos, e investigadores de diversas delegacias tentam identificar quem são os responsáveis.
“Eu vi essas faixas em caminhos que eu passo. Estão falando que é proibido ‘dar giro’ e que é ‘sujeito a cacete’, mas não está dizendo que é o tráfico. Às vezes podem ser os próprios moradores revoltados. Porque o barulho é insuportável. Barulho de moto com aqueles escapamentos”, falou uma moradora de uma comunidade na capital que também pediu para não ser identificada.
O 7º Distrito Policial (DP) em Osasco, por exemplo, investiga quem são os homens que aparecem em vídeos dando socos, cotoveladas e chutes num motociclista. Segundo os agentes, ele descumpriu as regras da facção que estavam em letras garrafais em faixa afixada em casas numa rua da Vila Menck, comunidade da cidade.
O inquérito de lesão corporal foi aberto após os vídeos chegarem ao conhecimento dos policiais da delegacia.
O motociclista que apanha dos criminosos foi identificado como sendo um rapaz também morador da favela. Ele já havia sido preso por tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo, mas não é membro do PCC.