O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse, em entrevista à revista Veja, que extrapolou durante discursos golpistas nas manifestações de 7 de setembro e que muitos de seus apoiadores esperavam que ele “chutasse o pau de barraca”. Porém, ao explicar o seu recuo com uma carta escrita com a ajuda do ex-presidente Michel Temer (MDB), disse que preferiu “acalmar tudo”. Segundo ele, não há chance de “melar a eleição”, como já chegou a ameaçar.
A presença de Bolsonaro nas manifestações com pautas golpistas gerou forte reação do STF (Supremo Tribunal Federal) e de parte do Congresso, com a possibilidade de um início de processo de impeachment ganhando força.
O presidente chegou a dizer em discurso realizado em São Paulo que não acataria mais decisões do ministro Alexandre de Moraes. O recuo nos dias seguintes foi bastante criticado por parte de seus apoiadores.
“Esperavam que eu fosse chutar o pau da barraca. Você imagina o problema que seria chutar o pau da barraca”, disse Bolsonaro, que ainda afirmou na entrevista que não convocou as manifestações. Porém, vale lembrar que o presidente incentivou os atos nas semanas anteriores, adotando um tom golpista.
Ao dizer que extrapolou em algumas falas em São Paulo, Bolsonaro não explicou quais. “Eu vinha falando que estamos lutando por liberdade e comecei a falar uns quinze dias antes que estaria na Esplanada e em São Paulo. Mas em São Paulo, quando eu falei em negociar, eu senti um bafo na cara. Extrapolei em algumas coisas que falei, mas tudo bem”, disse.
Questionado se a crise com o Judiciário estava superada, Bolsonaro disse que não é “Jairzinho paz e amor”, mas que a “idade dá certa maturidade”.
“Depois das manifestações de 7 de setembro, houve a reação do STF. Teve o telefonema do Temer, ele falou para mim: ‘O que a gente pode fazer para dar uma acalmada?’. Respondi que o que eu mais queria era acalmar tudo”, disse.
Segundo Bolsonaro, Temer disse que tinha “umas ideias” e viajou a Brasília a seu convite. O presidente diz que a carta esboçada estava em consonância com o que tinha pensado sobre o assunto.
“Mandei um avião da Força Aérea trazer ele para cá, ele trouxe uns dez itens, mexemos em uma besteirinha ou outra, duas ou três com um pouquinho mais de profundidade, estava bem-feito, casou com o meu pronunciamento e divulguei”, disse.
Eleições
Depois de diversas críticas ao voto eletrônico lançando suspeitas infundadas sobre supostas fraudes, Bolsonaro também recuou em seu discurso, dizendo que a participação das Forças Armadas em um conselho do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) dá segurança ao pleito. Ele ainda disse que haverá eleições, embora tenha feito ameaças durante a sua defesa do voto impresso antes da rejeição do projeto pela Câmara dos Deputados.
“Vai ter eleição, não vou melar, fique tranquilo, vai ter eleição. O que o Barroso está fazendo? Ele tem uma portaria deles, lá, do TSE, onde tem vários setores da sociedade, onde tem as Forças Armadas, que estão participando do processo a partir de agora. As Forças Armadas têm condições de dar um bom assessoramento”, disse.
“Com as Forças Armadas participando, você não tem por que duvidar do voto eletrônico. As Forças Armadas vão empenhar seu nome, não tem por que duvidar. Eu até elogio o Barroso, no tocante a essa ideia — desde que as instituições participem de todas as fases do processo”, completou.
Bolsonaro ainda deu a entender que, na disputa pela reeleição em 2022, irá procurar um vice com características diferentes. Ele não descartou totalmente Hamilton Mourão (PRTB), mas disse que o atual vice se encaixaria melhor no Senado Federal. “Olha só, seu eu vier candidato, não vai mais se repetir o que aconteceu em 2018. O vice tem que ter algumas características, tem que ajudar você. E tem que ajudar no tocante ao voto também”, disse. Recentemente, o presidente chegou a comparar seu vice a um “cunhado” e afirmou que é obrigado a “aturar”.
“O Mourão, por exemplo, eu acho que não está fechada a porteira para ele ainda. Agora, o Mourão não tem a vivência política. Praticamente zero. E depois de velho é mais difícil aprender as coisas. Mas no meu entender, seria um bom senador”, completou.
Sobre o partido, Bolsonaro citou PP, PL ou Republicanos como opções. “Não vou fugir de estar com esses partidos, conversando com eles. O PTB ofereceu pra mim também”, disse.
Discurso dúbio sobre golpe
Na entrevista, Bolsonaro disse que “a chance de um golpe é zero”, mas manteve um discurso dúbio ao complementar que “de lá pra cá, a gente vê que sempre existe essa possibilidade”.
Sem levar em consideração o uso da palavra “chance” — que tem conotação positiva — ao se referir a um eventual golpe, Bolsonaro tem repetido um discurso que abre espaço para uma narrativa de “contra-golpe”, justificando uma possível reação golpista ao que possa considerar um desvio de outra instituição.
Nesta entrevista em específico, ele diz que se refere à oposição ao citar “de lá pra cá”. Porém, ele já adotou esse mesmo tom de discurso ao reagir, anteriormente, a medidas do Supremo e do Congresso que o desagradaram.
“Existem 100 pedidos de impeachment dentro do Congresso. Não tem golpe sem vice e sem povo. O vice é que renegocia a divisão dos ministérios. E o povo que dá a tranquilidade para o político voltar. Agora, eu te pergunto: qual é a acusação contra mim? O que eu deixei, em que eu me omiti? O que eu deixei de fazer? Então, não tem cabimento uma coisa dessas.”, disse Bolsonaro.
Até o momento, nenhum pedido de impeachment contra Bolsonaro seguiu adiante na Câmara dos Deputados, apesar da cobrança de partidos de oposição em cima do presidente do Casa, Arthur Lira (PP-AL). Bolsonaro ainda manteve esse discurso dúbio ao ser questionado especificamente sobre o que seria “chutar o pau da barraca”, como queriam seus apoiadores no dia 7 de setembro.
“Queriam que eu fizesse algo fora das quatro linhas. E nós temos instrumentos dentro das quatro linhas para conduzir o Brasil. Agora todo mundo tem que estar dentro das quatro linhas. O jogo é de futebol, não é de basquetebol. Não vou mais entrar em detalhes porque quanto mais pacificar melhor”, disse.