Quanto mais seguidores nas redes sociais, mais fama. Quanto mais exposição, maior a quantidade de mensagens negativas, principalmente dos chamados haters , termo usado na internet para classificar pessoas que postam comentários de ódio, mas também mensagens positivas, elogios e bajulações. E, acredite, essas últimas eram as maiores preocupações da paulista e mãe de três, Fernanda Rocha Kanner, 38 anos, de São Paulo. E foi por isso que ela resolveu apagar as redes sociais da Nina, 14 anos. Mas a decisão não passou despercebida, afinal, a jovem tinha quase 2 milhões de seguidores.
Depois de receber diversas mensagens de pessoas que seguiam a filha adolescente, questionando o seu sumiço, a mãe decidiu fazer um post: “Decidi apagar a conta do Tiktok e do Instagram dela. Chata, eu sei, mas nossa função como mãe não é ser amiguinha”, começou. “O carinho que vocês têm por ela é a coisa mais fofa, mas eu não acho saudável nem para um adulto e muito menos para uma adolescente basear referências de autoconhecimento em feedback virtual. Isso é ilusão e ilusão mete uma neblina danada na estrada do se encontrar”, justificou. “Eu não quero que ela cresça acreditando que é esse personagem. Não quero ela divulgando roupas inflamáveis de poliéster made in China. Não quero minha filha brilhante se prestando a dancinhas diárias como um babuíno treinado. Acho divertido… e mega insuficiente. Triste geração em que isso justifica fama”, afirmou. “Saudade de quando precisava ter talento em alguma coisa para se destacar”, disse Fernanda.
A mãe continuou: “Não quero que ela se emocione com biscoitos (assim que fala?) e elogios. Nem que se abale com críticas de quem não conhece. Opiniões são só reflexos de quem está oferecendo e não de quem recebe. Você me acha linda porque você é linda ou está feliz. Você me acha feia porque você é feia ou teve um dia ruim. Eu não tenho nada a ver com isso. A fã número um dela sou eu e ela continuará dando as caras por aqui, se quiser. Quando ela tiver conteúdo interessante para dividir, ela pode voltar a ter conta”, disse. “A vida só presta quando se é feliz offline primeiro”, finalizou.
Um “basta”
Em entrevista à CRESCER, Fernanda disse que não aconteceu “nada pontual” para que ela tomasse tal atitude. “Era um assunto que a gente já conversava há meses. Eu falava: ‘Filha, esse feed não está legal’. Restringi o uso, tirei o celular uma semana, tirei um mês, pedia pra ela me mostrar tudo antes de postar para a gente analisar juntas os vídeos e fotos. Dava certo uma semana, mas, depois, com a correria do dia a dia, eu esquecia e ela voltava a postar o mesmo vazio redundante de antes”, diz. Segundo a mãe, eram selfies e “dancinhas robóticas”. “Eu perguntava: ‘Nina, você gosta de fazer coreografias? Nunca te vi dançando antes do Tiktok. Mostre para o mundo as coisas que você ama fazer, aquilo que te faz diferente e não o que te faz idêntica a todas as outras meninas da internet”, conta.
“Muitas mães me criticaram falando: ‘Onde você estava enquanto os seguidores aumentavam? Por que deixou chegar a esse ponto?’ Eu sempre estive ao lado dela, mas no começo deixei porque achava a mensagem importante. Ela começou falando sobre voo livre para aves — com 12 anos era a treinadora mais jovem do Brasil — e seu trabalho como voluntária em institutos de resgate a animais. Ela tem a voz linda e adorava cantar. Mas quando caras e bocas geravam mais engajamento, ‘o que fazia da Nina a Nina’ foi sendo deixado de lado. Devagarinho, o conteúdo foi ficando cada vez mais fútil e foi a hora em que eu dei um basta”, lembra. “Quando (e se) ela resgatar a essência do que a faz diferente, pode começar uma conta nova. Mas esse filtro de bom senso tem que partir da maturidade dela, não vou ficar sendo fiscal de mídia social”, disse a mãe.
Reação da Nina
Fernanda, que também é mãe de Nicholas, 16, e Thomas, 11, revela que a filha levou um tempo para aceitar a decisão. “Ela ficou muito brava uns dois dias, trancada no quarto dela, sem falar comigo. Depois, ficou uns três dias meio ‘deprê’ e, ao final da semana, voltou ao normal. Ficou claro que estava passando por uma espécie de ‘abstinência de dopamina’. Quem assistiu ‘O Dilema das Redes’ sabe do que eu estou falando. A gente está tão condicionado a essa avalanche artificial do neurotransmissor em forma de likes, comentários e notificações que, quando somos privados disso, o cérebro dá um tilt. Deixamos de ter um prazer suficiente em coisas que antes bastavam, como tomar um sorvete com os amigos ou ler um bom livro. Eu quero que a Nina entenda que o valor dela vem de dentro e não ao que os seguidores atribuíam a ela. Ela sempre lidou muito bem com crítica; é muito resiliente e dava risada dos inevitáveis haters. Essa parte não me preocupava. O que mais me angustiava era a bajulação. Era muita, muita ‘polição de ego’ o dia inteiro e pouco aprimoramento interno. Não queria jamais que ela acreditasse que beleza era o que ela tinha de mais especial”, afirmou.
Mas, para “proteger a futura saúde mental” de Nina, Fernanda conta que foi chamada “centenas de vezes pelos adolescentes de narcisista, invejosa, arruinadora de sonhos”. “Recebi incontáveis xingamentos. Um menino e uma menina falaram que eu merecia morrer por jogar fora todo ‘o trabalho’ dela. Todos, invariavelmente, quando eu entrava no perfil, eram aspirantes a fama de internet. No perfil falavam que eram Tiktokers, influenciadores, geradores de conteúdo. Que conteúdo gente? Até pra ser palhaço precisa estudar, precisa nascer com a veia da coisa. Comédia boa requer uma inteligência absurda, não é sair imitando trend. Dançarino precisa de ginga. Esse povo precisa que a gente estimule novos sonhos neles”, disse. “Eu explicava: ‘Gente, vocês estão me atacando, mas esse sonho é de vocês. O da Nina é ser bióloga e ter um grande centro de proteção e resgate ambiental. Eu estou justamente apoiando os planos dela por tirar as distrações’. Essa geração não entende que não é todo mundo que quer ser famoso, não entra na cabeça deles”, finalizou.
Palavra de especialista
Para a neuropsicóloga, Deborah Moss, mestre em Psicologia do Desenvolvimento (USP), de São Paulo, primeiramente, Fernanda é uma mãe muito corajosa. “Para ‘bancar’ a possível frustração, bravesa e revolta de um filho é preciso ter coragem”, afirma. “Na minha opinião, é uma atitude louvável no sentido de ter muito claro a educação que ela quer dar para os filhos, e manter a firmeza dos limites. E o motivo por ela fazer isso também é de aplaudir, pois os jovens estão em uma fase de autoafirmação, de construção da autoestima e ficar exposto dessa maneira e na dependência dos seguidores pode ser muito prejudicial”, diz.
“Afinal, que maturidade tem um adolescente para lidar com as críticas e toda a parte negativa que pode vir com a fama? Por outro lado, que maturidade tem as pessoas que fazem as críticas e enviam mensagens negativas? Então, achei interessante a atitude dessa mãe e pode ser uma boa influência para outros pais. Os jovens, antes de mais nada, precisam ter mais maturidade para poder lidar com críticas e elogios”, finalizou.