Urina escura, inchaço, dor: médicos relatam estragos do kit covid nos rins

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19.03.2021 - Paciente intubado no Hospital da Restinga, na zona sul de Porto Alegre, por covid-19 Imagem: Evandro Leal/Estadão Conteúdo
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  • Post publicado:25 de março de 2021
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Medicamentos do “kit covid”, que não têm eficácia comprovada contra a doença causada pelo novo coronavírus, já provocaram graves danos aos rins de pacientes, segundo profissionais de saúde que trabalham na linha de frente do combate à pandemia ouvidos pelo UOL. O kit é composto, principalmente, por quatro remédios: hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e anticoagulantes.

A combinação dos remédios é considerada “uma bomba” no corpo pelos médicos e pode causar desde hemorragias até hepatite medicamentosa. Há pacientes na fila de transplante de fígado depois de terem tomado o kit, conforme revelou reportagem recente do jornal “O Estado de S. Paulo”.

Os médicos, no entanto, ressaltam que o diagnóstico da hepatite causada pelos medicamentos, principalmente a ivermectina, é feito de maneira criteriosa individualmente nos pacientes. Até o momento, não há um levantamento oficial sobre esse cenário. Mas, de acordo com os relatos de profissionais de saúde de grandes hospitais do estado, o kit pode estar diretamente relacionado aos danos graves no fígado e rins dos pacientes que chegam às UTIs depois de terem tomado os remédios. Nas últimas semanas, tem aumentado o número de pessoas nesta situação.

O “kit covid” ficou famoso por causa do governo federal. O presidente Jair Bolsonaro e o Ministério da Saúde já defenderam o uso dos medicamentos como solução para a pandemia de covid-19. Recentemente, a equipe tentou desembarcar do discurso, mas o presidente ainda defende o “tratamento precoce”, que inclui parte desses medicamentos comprovadamente ineficazes.

Aumento das vendas

Segundo o CFF (Conselho Federal de Farmácia), o total de unidades vendidas de ivermectina subiu 557% em 2020 em comparação com 2019, sendo dezembro o mês recordista de vendas da droga. A AMB (Associação Médica Brasileira) divulgou uma nota afirmando que o uso de cloroquina, ivermectina e de outros fármacos recomendados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para tratamento ou prevenção da covid-19 deve ser banido.

O coordenador de assistência do Hospital das Clínicas da Unicamp, Plínio Trabasso, afirma que os medicamentos podem causar um “efeito cascata” no corpo do paciente. O próprio HC da Unicamp afirmou ter registrado uma morte relacionada ao “kit covid”. De acordo com ele, a recomendação é não usar medicamentos que não tenham comprovação científica contra o coronavírus.

Trabasso diz que o uso dos medicamentos combinados por um longo período começa comprometendo o fígado, responsável por filtrar tudo o que ingerimos, causando uma grave inflamação por excesso de medicamentos —a hepatite medicamentosa. Quanto mais tempo e maior a quantidade que o paciente tomar dos remédios, pior deve ser o grau da infecção.

A consequência é um comprometimento do trabalho dos rins, que também filtram e regulam a quantidade de compostos presentes no organismo, e podem até parar de funcionar. Os pacientes que chegam a esse estágio começam a apresentar urina com “cor de café” e uma dor “insuportável” para urinar, afirma o médico. Os profissionais de saúde consultados pela reportagem ainda relatam que os pacientes nesse estágio podem ficar inchados, da cabeça aos pés, e soltar líquidos por todo corpo, como um suor intermitente.

“Tudo isso porque essas medicações têm efeitos colaterais, como qualquer remédio. Mas com algumas diferenças: quando você faz um coquetel de remédios, você potencializa os efeitos adversos de todos, faz com eles se combinem. No caso da covid, você ainda está tomando uma quantidade absurda de remédios que sequer fazem efeito para a doença. O único ‘ganho’ é o risco de ter um quadro mais grave”.

Plínio Trabasso, infectologista do Hospital das Clínicas da Unicamp.

O próprio tratamento fica mais difícil porque os remédios fazem com que o sistema imunológico fique “super-resistente” a outros remédios. Nem os antibióticos mais fortes costumam fazer efeito, relatam os profissionais de saúde. O fim pode ser uma septicemia, a infecção generalizada do corpo, levando à morte.

Enfermeiro tratou a própria tia em UTI

Um dos enfermeiros que conversou com UOL disse que viu esse quadro se desenvolver com sua tia. Ele trabalha em um hospital público no interior de São Paulo e pediu para não ser identificado. O profissional de saúde contou que houve intensas discussões entre seus familiares pelo uso dos medicamentos do “kit covid” no fim do ano passado. Segundo o enfermeiro, sua tia tomou os medicamentos indiscriminadamente e o propagandeava como “cura da covid” nos grupos de WhatsApp.

Passados dois meses, o profissional da saúde chegou a um plantão na UTI voltada para covid-19 e encontrou o nome da tia como a mais nova paciente. Levou um susto. Em cinco dias, ela teve infecção generalizada. O infectologista da Universidade de São Paulo, Benedito Lopes Fonseca, chama a atenção para outro fato. De acordo com ele, os casos graves nos rins e fígado também podem ser consequência direta da ação do vírus da covid-19 no organismo, uma vez que a ciência ainda estuda os efeitos da doença no corpo.

“O problema no uso destas medicações é que está todo mundo tentando encontrar relatos de efeitos adversos a estas drogas enquanto se esquecem que a própria doença pode acometer o fígado e as pessoas podem usar outras drogas, e mesmo alguns chás e fitoterápicos. Todas estas investigações devem ser feitas da maneira mais cientificamente adequadas. Benedito Lopes Fonseca, infectologista da USP”.

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