Entidades de saúde condenaram o pronunciamento, na noite desta terça-feira (24), do presidente Jair Bolsonaro sobre a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
Na fala, veiculada em rede nacional, o presidente chamou a doença de “resfriadinho”, contrariou especialistas e pediu o fim do “confinamento em massa”. Ele também fez um apelo pela “volta à normalidade” e culpou a imprensa por “espalhar pavor”.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva considerou “intolerável e irresponsável” o que chamou de “discurso da morte” do presidente Jair Bolsonaro. A entidade afirmou que, em sua fala, que classificou como “incoerente e criminosa”, o presidente “nega o conjunto de evidências científicas que vem pautando o combate à pandemia da COVID-19 em todo o mundo, desvalorizando o trabalho sério e dedicado de toda uma rede nacional e mundial de cientistas e desenvolvedores de tecnologias em saúde.”
A Sociedade Brasileira de Infectologia se disse preocupada com a fala de Bolsonaro, e considerou que as declarações podem dar a falsa impressão de que as medidas de contenção social são inadequadas. Os infectologistas classificaram a pandemia como “grave”, e disseram que é temerário associar que as cerca de 800 mortes por dia causadas pela doença na Itália, a maioria entre idosos, esteja relacionada apenas ao clima frio do inverno europeu.
A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia disse que qualquer medida que abrande o isolamento da população será “extremante prejudicial” para o combate à Covid-19.
A Associação Paulista de Medicina afirmou que, “se a intenção foi acalmar, a reação da sociedade mostra que ele [Bolsonaro] não alcançou seus objetivos. Você não traz esperança minimizando o problema, mas reforçando as soluções. Existe um perigo próximo, evidente, real e gravíssimo. Enfrentá-lo é prioritário.”
A Associação Brasileira de Climatério afirmou que, apesar dos impactos socioeconômicos, “até o momento, o afastamento social está entre as medidas mais eficientes no combate à propagação do COVID-19, de acordo, inclusive, com autoridades de saúde internacionais”. A entidade reúne médicos dedicados à assistência da mulher em transição – chamada de climatério – entre o período fértil e o não fértil.
A Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo disse, em nota, que “vê com extrema preocupação” o pronunciamento de Bolsonaro. “O isolamento é uma das medidas mais eficientes para combater a propagação de COVID-19 até o presente momento. Desta forma, a SOGESP reitera a importância de se seguir as determinações das autoridades de saúde, no sentido de se evitar ao máximo os contatos sociais”, pediu a entidade.
A Sociedade Brasileira de Mastologia também viu “com preocupação” as declarações do presidente, afirmando que elas vão “na contramão de todas as orientações passadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e especialistas em infectologia, que recomendam o isolamento social como forma de conter a disseminação do novo vírus”. A entidade afirmou que “continuará recomendando a toda população brasileira, inclusive as mulheres acometidas neste momento pelo câncer de mama e em tratamento como sessões de quimioterapia e radioterapia, para que fiquem em confinamento domiciliar”.
Sociedade Brasileira de Infectologia
“Neste difícil momento da pandemia de COVID-19 em todo o mundo e no Brasil, trouxe-nos preocupação o pronunciamento oficial do Presidente da República Jair Bolsonaro, ao ser contra o fechamento de escolas e ao se referir a essa nova doença infecciosa como “um resfriadinho”.
Tais mensagens podem dar a falsa impressão à população que as medidas de contenção social são inadequadas e que a COVID-19 é semelhante ao resfriado comum, esta sim uma doença com baixa letalidade. É também temerário dizer que as cerca de 800 mortes diárias que estão ocorrendo na Itália, realmente a maioria entre idosos, seja relacionada apenas ao clima frio do inverno europeu. A pandemia é grave, pois até hoje já foram registrados mais de 420 mil casos confirmados no mundo e quase 19 mil óbitos, sendo 46 no Brasil.
O Brasil está numa curva crescente de casos, com transmissão comunitária do vírus e o número de infectados está dobrando a cada três dias.
Concordamos com o Presidente quando elogia o trabalho do Ministro da Saúde, Dr. Luiz Henrique Mandetta, e sua equipe, cujas ações têm sido de grande gestor na mais grave epidemia que o Brasil já enfrentou em sua história recente. Desde o início da epidemia, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estão trabalhando em conjunto com várias sociedades médicas científicas, em especial com a Sociedade Brasileira de Infectologia, com várias reuniões presenciais, teleconferências e trocas de informações quase que diariamente.
Também concordamos que devemos ter enorme preocupação com o impacto socioeconômico desta pandemia e a preocupação com os empregos e sustento das famílias. Entretanto, do ponto de vista científico-epidemiológico, o distanciamento social é fundamental para conter a disseminação do novo coronavírus, quando ele atinge a fase de transmissão comunitária. Essa medida deve ser associada ao isolamento respiratório dos pacientes que apresentam a doença, ao uso de equipamentos de proteção individual (EPI) pelos profissionais de saúde e à higienização frequente das mãos por toda a população. As medidas de maior ou menor restrição social vão depender da evolução da epidemia no Brasil e, nas próximas semanas, poderemos ter diferentes medidas para regiões que apresentem fases distantes da sua disseminação.
Quando a COVID-19 chega à fase de franca disseminação comunitária, a maior restrição social, com fechamento do comércio e da indústria não essencial, além de não permitir aglomerações humanas, se impõe. Por isso, ela está sendo tomada em países europeus desenvolvidos e nos Estados Unidos da América.
Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas e todos os demais profissionais de saúde estão trabalhando arduamente nos hospitais e unidades de saúde em todo o país. A epidemia é dinâmica, assim como devem ser as medidas para minimizar sua disseminação. “Ficar em casa” é a resposta mais adequada para a maioria das cidades brasileiras neste momento, principalmente as mais populosas.”
Associação Brasileira de Saúde Coletiva
“As entidades de saúde coletiva e da bioética consideram intolerável e irresponsável o “discurso da morte” feito pelo Presidente da República, na noite de 24 de março, em cadeia nacional de rádio e TV.
Nessa manifestação, incoerente e criminosa, o Sr. Jair Bolsonaro, no momento ocupante do principal cargo do Executivo Federal, nega o conjunto de evidências científicas que vem pautando o combate à pandemia da COVID-19 em todo o mundo, desvalorizando o trabalho sério e dedicado de toda uma rede nacional e mundial de cientistas e desenvolvedores de tecnologias em saúde. Nesse ato, desrespeita o excelente trabalho da imprensa e de numerosas redes de difusão de conhecimento, essenciais para o esclarecimento geral sobre a COVID-19, e desmobiliza a população a dar seguimento às medidas fundamentais de contenção para evitar mortes. Medidas estas cruciais encaminhadas com muito esforço pelas autoridades municipais e estaduais, implementadas por técnicos e profissionais do SUS, os quais vêm expondo suas vidas para salvar pessoas. Além disso, comete o crime de “infração de medida sanitária preventiva”, a ser enquadrado no Art. 268 do Código Penal Brasileiro, ao desrespeitar “determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.
Nossas entidades representativas da comunidade brasileira de sanitaristas, epidemiologistas, planejadores e gestores de saúde, cientistas sociais e outros profissionais da área de saúde pública vêm a público denunciar os efeitos nocivos das posições do presidente da República sobre a grave situação epidemiológica que estamos vivendo. Seu pronunciamento perverso pode resultar em mais sofrimento e mortes na já tão sofrida população brasileira, particularmente entre os segmentos vulneráveis da sociedade.
As instituições da República precisam reagir e parar a irresponsabilidade do ocupante da cadeira de presidente antes que o caos se torne irreversível.
Assinam esta nota as seguintes entidades:
- Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO
- Centro Brasileiro de Estudos da Saúde – Cebes
- Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES
- Associação Brasileira da Rede Unida
- Associação Brasileira de Enfermagem – ABEn
- Associação Paulista de Medicina – APM
- Sociedade Brasileira de Bioética – SBB
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
Em nota, a entidade afirmou que “a SBGG tem um comprometimento sério e humano com a população e endossa a manutenção de todas as medidas tomadas até este momento. Para a SBGG qualquer medida que abrande o isolamento da população será extremante prejudicial para o combate ao Coronavírus, acarretando em maior número de infectados e morte. Salientamos que a maioria dos países adotam a mesma medida de contenção, apresentando sucesso.Seremos militantes do nosso posicionamento para o bem dos idosos e da população brasileira.”
Associação Paulista de Medicina
“Se a intenção foi acalmar, a reação da sociedade mostra que ele não alcançou seus objetivos. Você não traz esperança minimizando o problema, mas reforçando as soluções. Existe um perigo próximo, evidente, real e gravíssimo. Enfrentá-lo é prioritário. Todos nos preocupamos com o impacto do isolamento social na economia, particularmente o impacto da recessão sobre a saúde. Também isso não deve ser minimizado. Mas que não se deixe a preocupação com o futuro inviabilizar o presente.”
Associação Brasileira de Climatério
“A Associação Brasileira de Climatério – SOBRAC vem a público reiterar a importância de que as determinações de afastamento social temporário emanadas pelas autoridades de saúde sejam observadas fielmente.
Evidentemente sempre há preocupação com eventuais impactos socioeconômicos que tais medidas possam gerar. Contudo, até o momento, o afastamento social está entre as medidas mais eficientes no combate à propagação do COVID-19, de acordo, inclusive, com autoridades de saúde internacionais.
A SOBRAC se preocupa em especial, pois se dedica ao estudo de população que pode se enquadrar com maior frequência nos grupos de maior risco para a doença e, portanto, reitera a importância de observar todas as determinações de saúde de nossas autoridades.
Nas próximas semanas, talvez seja possível ter a real dimensão que tomará a pandemia no País. Somente então se poderá decidir por manter o afastamento social mais ou menos rigoroso.”
Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo
“Neste momento de incertezas e inseguranças que tomam conta das sociedades brasileira e mundial, a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo – SOGESP vê com extrema preocupação o pronunciamento do senhor presidente Jair Bolsonaro, na noite de ontem, 24 de março.
Claro que sempre existe preocupação com eventuais impactos socioeconômicos do isolamento social, mas vidas humanas têm de ser prioridade sempre.
O isolamento é uma das medidas mais eficientes para combater a propagação de COVID-19 até o presente momento. Desta forma, a SOGESP reitera a importância de se seguir as determinações das autoridades de saúde, no sentido de se evitar ao máximo os contatos sociais.”
Sociedade Brasileira de Mastologia
“A Sociedade Brasileira de Mastologia monitora de perto o avanço da pandemia do coronavírus (COVID-19) no Brasil e no mundo. E por tratar diretamente de pacientes que podem compor o grupo de risco, recebe com preocupação o número de informações desencontradas, essencialmente as que vão na contramão de todas as orientações passadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e especialistas em infectologia, que recomendam o isolamento social como forma de conter a disseminação do novo vírus.
A SBM continuará recomendando a toda população brasileira, inclusive as mulheres acometidas neste momento pelo câncer de mama e em tratamento como sessões de quimioterapia e radioterapia, para que fiquem em confinamento domiciliar, evitando assim exposição pública e aglomerações. As exceções devem ser avaliadas caso a caso, conforme as orientações abaixo:
– Consultas ambulatoriais de rotina devem ser avaliadas e remarcadas.
– Consultas de seguimento de pacientes oncológicas de rotina que podem aguardar deverão ser avaliadas e remarcadas.
– Consultas para pacientes em investigação para câncer de mama devem ser mantidas seguindo as normas de higiene preconizadas.
– Procedimentos diagnósticos, cirúrgicos ou não, em pacientes com suspeita de câncer devem ser mantidos seguindo as normas de higiene preconizadas.
– Procedimentos cirúrgicos eletivos não oncológicos devem ser avaliados e postergados.
– Procedimentos cirúrgicos oncológicos devem ser mantidos.
A individualização dos casos deve ser sempre realizada pelo médico assistente.
De fato, o coronavírus tem demonstrado aqui e nos outros países o seu poder de letalidade e as mulheres com baixa imunidade, como é o caso das que estão em determinada fase do tratamento do câncer, devem redobrar o cuidado, mantendo-se em casa.
A Sociedade Brasileira de Mastologia está à disposição para tirar dúvidas, trocar experiências e reforça que está atenta a todos os acontecimentos para trazer as informações necessárias à prática médica, sempre com as melhores medidas e decisões para a nossa população.”