Ação movida por trabalhador foi a escolhida, entre centenas de processos, para estabelecer jurisprudência acerca da responsabilidade do empregador
Dez anos após ganhar as páginas dos principais noticiários de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, um violento assalto com tiroteio ocorrido num supermercado do bairro Monte Castelo foi tema das sessões plenárias dos dias 4 e 5 de setembro do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, Distrito Federal.
O caso alcançou tamanha dimensão que, entre mais de 300 processos semelhantes no Supremo, foi o selecionado por ter tido repercussão geral reconhecida a partir do qual o judiciário passa a definir a responsabilização civil objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho em atividades de risco.
“Em outras palavras, à partir desta decisão, o STF estabelece uma jurisprudência de aplicação obrigatória, ou seja, todas as demais instâncias do poder judiciário estarão vinculadas à definição do Supremo em casos semelhantes”, explicou o doutor José Belga Assis Trad, advogado de Marcos da Costa Santos, vigilante de carro-forte que passou a sofrer transtornos psicológicos decorrentes do tiroteio.
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo deu ganho de causa ao trabalhador, que atua em atividade de risco, concedendo direito à indenização em razão de danos decorrentes de acidente de trabalho, independentemente da comprovação de culpa ou dolo do empregador.
Após sustentação oral do advogado sul-mato-grossense no púlpito do plenário, o ministro Alexandre de Moraes, relator do Recurso Extraordinário (RE) 828040, acrescentou que não há impedimento à possibilidade de que as indenizações acidentária e civil se sobreponham, desde que a atividade exercida pelo trabalhador seja considerada de risco.
“No caso do transporte de valores, o funcionário está constantemente exposto em situação de perigo, stress e ansiedade”, disse Trad, que também já havia vencido o processo na Justiça do Trabalho de Campo Grande, no Tribunal Regional do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho.
Seguiram este entendimento os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Os ministros Roberto Barroso e Gilmar Mendes também seguiram o relator, mas ressaltaram a necessidade de que as atividades de risco sejam aquelas especificadas em lei.
Entre os votos vencidos ficaram os dos ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, que consideraram que, como o empregador já recolhe contribuição relativa ao seguro acidente de trabalho, com alíquotas maiores para as atividades de maior risco, a obrigação de responder pela indenização civil sem que haja culpa ou dolo, seria excessiva.
No entanto, ao final do julgamento, no momento da definição da tese, os ministros Barroso e Mendes, a despeito de acompanharem o relator, ponderaram sobre a ressalva que fizeram ao proferirem seus votos, iniciando um novo debate no plenário, desta vez acerca de qual seria o critério para se estabelecer quais são as atividades de risco.
O ministro Alexandre de Moraes entendeu que o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil prevê, além dos casos especificados em lei, uma margem de discricionariedade para o poder judiciário definir outras atividades de risco que não estejam delimitadas em lei. Os ministros Lewandowski e Rosa Weber se posicionaram acompanhando o voto do relator quanto a esta temática, momento em que a ministra Carmem Lúcia, vendo que não havia um consenso no plenário para a fixação da tese, sugeriu que a definição ficasse para a próxima sessão, já que os ministros Dias Toffoli e Celso de Mello estavam ausentes no plenário.
A sugestão foi acatada pelos demais ministros e, apesar da proclamação do resultado do julgamento (7×2 a favor da responsabilidade objetiva do empregador em acidentes de trabalho quando se tratar de atividades de risco), a fixação da tese ficou para ser decidida nas próximas sessões, em data ainda não designada.
Transtornos psicológicos – O recurso foi interposto pela Protege S/A – Proteção e Transporte de Valores contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que a condenou ao pagamento de indenização a um vigilante de carro-forte, que passou a desenvolver transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), um distúrbio da ansiedade caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais em decorrência de atos violentos ou de situações traumáticas que, em geral, representaram ameaça à sua vida.
O TST aplicou ao caso a incidência da regra do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, que admite essa possibilidade quando a atividade expõe o trabalhador a risco permanente. A empresa alegava que a condenação contrariava o dispositivo constitucional que trata da matéria, pois o assalto foi praticado em via pública, por terceiro.
Tiroteio
O tiroteio ocorreu no Comper Center Ypê no dia 4 de setembro de 2009, na avenida Mascarenhas de Moraes, durante tentativa de roubo a malote de dinheiro. A ação resultou em três feridos: os vigilantes Ronaldo Veloso Ferreira, 37 anos, e Fábio Luis Gonçalves, 38 anos, e Aurelina de Fátima Silva, de 55 anos, porém sem vítimas fatais.