Durante uma audiência de conciliação realizada na quarta-feira (24) pela 2ª Vara de Família e Sucessões de Campo Grande, a juíza Cíntia Xavier Leteriello deu ordem de prisão para o advogado Júlio César Marques por suposto crime de desacato.
A audiência acontecia no Fórum de Campo Grande e Júlio defendia uma cliente de 21 anos. De acordo com o advogado, o pai da cliente entrou com ação para não pagar mais a pensão para a jovem. “Ele alegou que ela já tinha dois filhos, é maior de idade e sabia como se sustentar. A juíza ouviu o pai, mas como era audiência de conciliação, se ali não tivesse acordo, abriria prazo para defesa”.
Porém, segundo o relato do advogado, a juíza falou para a jovem que ela não tinha mais direito de pensão. “A magistrada falou que ela e o pai das crianças precisavam trabalhar, mas falou de forma ríspida e desencorajadora. Minha cliente começou a chorar”, contou.
De acordo com Júlio César, ele pediu para encerrar a audiência, pois a cliente estava aos prantos. “A juíza me respondeu que a jovem não era a primeira a chorar em audiência dela. Foi quando eu respondi que a juíza estava pré-julgando, ferindo a dignidade e sendo arbitrária”.
Neste momento, conforme relato do advogado, a magistrada o mandou ficar em silêncio, mas ele respondeu à juíza que a atitude dela estava errada e, diante daquilo, não poderia se silenciar. “Por essa resposta, ela entendeu que eu a desacatei”.
Polícia
A juíza chamou a Polícia Militar que fica no Fórum, mas o advogado acreditou que seria para manter a ordem. “Mas ela lavrou a audiência e mandou a polícia me levar para a delegacia, de camburão, mas não algemado. Fui para sala da PM no fórum, onde fizeram a lavratura e queriam me levar para a delegacia para prestar esclarecimentos de camburão”.
A OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil), ao saber sobre a situação, pediu à juíza para que o advogado não fosse até a delegacia na viatura da PM e ela atendeu o pedido. “Eu fui até a Depac Centro com meu carro, fui atendido pelo delegado que fez um boletim de ocorrência”.
Júlio Cézar atua como advogado há 12 anos e trabalha na área da família. “Era um embate oral e isso é normal com qualquer juiz, pois entendi que a postura dela estava errada. Eu fui enérgico, mas não usei palavra de baixo calão, sempre respeitando a juíza e a autoridade dela”.
O advogado relata não ter intenção de levar a situação para o TJMS (Tribunal de Justiça). “A própria ata que ela lavrou me inocenta. Não vou criar caso, a OAB pode tomar alguma atitude, não vou me posicionar contra isso. Acredito que ela não estava no seu melhor momento”.
As audiências de conciliação no Fórum de Campo Grande, segundo o advogado, não são gravadas. “Mas depois desse ocorrido, vamos ter que começar a gravar, porque não tinha ninguém a meu favor. Mas a ata me inocenta”.
OAB
Para a OAB/MS, o ato do advogado não configura qualquer ilícito, pois a situação se enquadra dentro dos limites do exercício profissional. A entidade vai requerer junto à Corregedoria-Geral de Justiça do TJMS e CNJ (Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça) a apuração da prática de abuso de autoridade, com as devidas consequências legais.
Segundo nota da OAB, a magistrada já foi alvo de Desagravo Público em face do advogado Jorge da Silva Francisco pela prática da mesma conduta, em 2012.
Amamsul
Em nota, a Amamsul (Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul) afirmou que a juíza agiu dentro da estrita legalidade. Confira a íntegra da manifestação divulgada pela entidade:
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Ante a matéria divulgada no site da OAB/MS, a qual noticia fatos ocorridos durante uma audiência de conciliação na 2ª Vara de Família de Campo Grande, no último dia 24, a Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul (AMAMSUL), vem a público esclarecer que a juíza Cíntia Xavier Letteriello, que presidiu o ato, agiu dentro da estrita legalidade.
Durante a referida audiência a magistrada foi severamente afrontada pelo advogado Júlio César Marques, a pretexto de defender os interesses de sua cliente. Assim, em face da gravidade dos fatos e a insistência do causídico em desrespeitar a magistrada no exercício de suas funções, esta adotou o procedimento de acionar a assessoria militar do Fórum e determinar o encaminhamento do advogado à presença de uma autoridade policial para a lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) pela prática, em tese, do crime de desacato.
Tal proceder não constitui abuso de autoridade ou qualquer outra ilegalidade, ao contrário, está dentro das estritas balizas da lei, notadamente porque não houve prisão do advogado, mas apenas o seu encaminhamento à presença de um delegado de Polícia, conforme prevê a Lei nº 9.099/95.
Cabe apontar, por oportuno, que o crime de desacato, previsto no Código Penal Brasileiro, ainda subsiste, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça, em apenas dois casos isolados (RE 1.640.084 e HC 379.269), entendeu de maneira diversa. Logo, não houve descriminalização da conduta no ordenamento jurídico.
Ademais disso, a AMAMSUL refuta veemente qualquer tentativa de enfraquecimento da magistratura, em especial no que tange à aprovação de projeto de lei que criminaliza condutas de magistrados por pretenso abuso de autoridade. Iniciativas legislativas deste jaez somente depõem contra o Estado Democrático de Direito, porquanto, em última análise, fragiliza a independência dos juízes.
Eduardo Eugenio Siravegna Junior
Presidente da AMAMSUL